domingo, 31 de julho de 2011

Chifres

Me responda o seguinte: você já reparou que os nossos chifres sempre se entrelaçam?

Já percebeu que a malícia que eu tenho em cada célula do meu corpo é a mesma malícia que você tem âmago da sua graça angelical? Repare que eu e você sempre nos pegamos no mesmo pensamento, mesmo que nós dois estejamos pensando em vermelho.

Eu me pego fascinado vez após vez em como eu e você conseguimos misturar os nossos chifres em uma coisa só. E eu quero que você saiba que eu não trocaria essa sensação por nada nesse mundo. Enquanto eu e você travamos disputas violentas com nossas galhadas enoveladas, eu sou um homem completo. Você vê o que significa dizer que um homem sem uma identidade absoluta se sente completo?

Perceba: os nossos chifres sempre se misturam em uma entidade só. Eu beijo a sua boca, eu mordo o seu rosto, amor ou ódio; pouco interessa. Você consegue ver isso? Que por um instante eu sou - uma pessoa em singular - enquanto eu e você estamos enganchados em uma figura única? Você pode ver o quanto isso me faz mais homem e menos idéia - e o quanto isso significa pra mim?

Eu fico absolutamente perdido sem as suas garras presas nas minhas. Eu me olho no espelho e eu não faço a menor idéia de quem eu sou, porque o meu reflexo sem as suas patas se confundindo com as minhas simplesmente parece vulgar e sem sentido. A minha imagem sem os seus erros, e acertos, e qualidades, e defeitos, parece simplesmente errada. E a questão toda se resume no fato de eu não fazer questão alguma de consertar esse erro.

E daí que eu me vejo como um borrão distorcido quando você não está perto de mim? E daí que eu acho normal a sua existência estabilizar o meu foco e dessa forma, eu ser capaz de me definir como um ser apenas?

Eu fico perdido sem os seus chifres perdidos nos meus. O meu reflexo parece simplesmente estúpido comparado ao que eu e você formamos no campo visual. Eu e você nos misturamos em uma coisa superior, perfeita - absoluta. Eu e você somos absolutos. Eu sequer começo a desejar partir o emaranhado dos seus chifres com os meus. Por favor, me faça mais humano então.

Me diga... Você já reparou que os nossos chifres sempre se entrelaçam?

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Marvin

Eu já tomei doses e mais doses, e mais um monte de gente já me ligou dizendo que eu deveria ir pra casa. Eu deveria ligar e ir pra casa, porque eu estive fora por muito tempo. Mas eu tenho passado tanto tempo fora de mim que eu vou pegar o telefone e te dizer:

Você está preocupada comigo agora? Eu só estou preso numa nuvem. E você quer saber por que? Pra que?

A garota com quem eu gostaria de estar está feliz com um outro cara, um homem de valor. Mas eu não sou um homem de valor, então com quem diabos você está?

Se você está lendo isso, é porque ele não está por perto. Eu sei que você se preocupa. Mas eu só estou dizendo que você poderia estar melhor. Me diga que você tem ouvido isso ultimamente e eu vou dizer que já imaginava.

E eu vou começar a te odiar só se você me pedir, porque eu talvez precise disso. Eu preciso odiar, sentir rancor, porque honestamente, eu não sinto muito mais do que isso.

Acho que sou viciado na minha solidão e no meu rancor. Eu acho que sou viciado nos meus próprios monstros, e eu gosto da minha própria cabeça pra poder passar tempo suficiente nela pra não saber viver no mundo real fora dela. Entenda que você os conhece - os que vivem nela, - então eu não os vou dar nome. Eu só estou tendo um tempo difícil para me ajustar a eles; vê a coincidência? (E você me pergunta se eu tenho bebido muito - eu só quero saber se você tem ouvido isso ultimamente.)

Eu só quero dispersar, espalhar. Quero me preocupar com segurar o seu cabelo enquanto você passa mal de tanta bebida no seu sangue, ouvindo o resto da festa dizer que eu e você somos dois loucos, mas que no fim das contas, no fim das festas, nós somos feitos um pro outro. Mas cá entre nós, estamos nossos respecitvos quartos, e eu penso se você tem pensado em mim, e se você tem ouvido muito ultimamente dos outros que poderia estar melhor. Tome um drink gelado agora. Vai te fazer sentir melhor; mas não vai te fazer se sentir mais viva.

Eu quero que você diga que não liga a mínima pra quem você conhece, ou acha que encontrou, e que você pensa apenas no que nós temos. Porque isso é estar melhor. E isso você não vai ouvir de ninguém que não de mim. Eu vou começar a odiar somente se você me forçar a isso.

Você não tem tempo mais, porque você tem vôos pela manhã, e eu me pergunto que porra você faz que é tão importante, ou mais importante. Eu tomo outro drink, gelado, e puta que pariu, eu não me sinto nem um centímetro mais vivo ou sólido.

Porque eu criei um paradoxo, aonde nós odiamos todo mundo aqui; então eu estou te ligando agora porque eu preciso de você, mesmo que você não queira me ouvir, agora que todos estão indo embora da festa. Eu estou tendo um instante, um momento, um minuto - eu estou tendo anos difíceis tentando me ajustar. E eu só estou dizendo isso porque você pode fazer melhor que eu. Porque eu preciso de alguém pra dividir o meu fardo. Mas você não virá, então eu estou em apuros. Embora você possa, e deva, estar melhor que isso.

Eu só estou te ligando pra dizer que eu não tenho mais nada pra acreditar. Agora, você pode me perguntar se eu tenho bebido demais. E eu penso que você não faria diferente no meu lugar. Eu sou viciado na minha própria consciência, até que toda ela tenha se desfeito e esteja tudo errado. Só estou te ligando pra dizer que eu espero que você não esteja gastando seu fôlego, como eu, sobre as coisas que você tem tanto medo em você mesma...

Eu simplesmente rezo pra que você não esteja. Eu simplesmente rezo pra que você venha.

E que por favor, você esteja melhor do que eu.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O Fundo

Eu cheguei agora no meu quarto. Me deixe te contar como eu o vejo.

No fundo da minha cama, há um lago. E no fundo desse lago, vagam os seus amigos. Sim, os amigos, que você prima como pedras de milha. Nós nunca somos o que pretendemos, ou inventamos, não é? E eles não nadam. Eles não esboçam reação. Bem, deixe-me contar-te isso: eles estão todos mortos.

Existe algo de muito ruim, muito malicioso, muito mal no meu coração. E eu invento todas essa mentiras, e as atuo à perfeição, porque existe algo de muito sombrio vivendo no meu âmago.

Um cedro - o seu medo - foi atingido por um caçador, no fundo do coração, e agora as hienas o circundam com intenções pouco louváveis, e todas elas vieram para lhe expor as entranhas. Quando eu morrer, eu vou assistir as hienas te dilacerarem o peito orgulhoso.

Eu te oferecereria um quilo de cocaína numa bandeija de prata se eu achasse que isso te ajudaria a fugir. Não é esse o caso - nunca o será. Mas eu espero que você faça o mesmo por mim. Mesmo que não seja isso verdade.

Hoje eu te vi jogar o seu buquê de casamento para os seus amigos dormentes no fundo do lago da sua inoperância. E agora, o que eu devo fazer se a sua presença for a única coisa que me fizer me sentir um caçador ao invés da presa? Nós nunca somos o que pretendemos ou inventamos ser.

Se eu quisesse morrer antes de me tornar senil, eu teria começado a cavar a minha cova há muito tempo. Mas você me conhece: você sabe que a minha cova haveria de ter quatorze pés para me conter. Eu vou carregar a caixa com os seus ressentimentos pro resto da minha vida.

Me diga que quando nós falamos do Pai, Filho e Espírito Santo, você não pensa que nós apenas nos tornaremos pó. Me diga que você sente que dará virtude ao Pai, conforto ao Filho e Santidade ao Espírito. E me diga que você faria o mesmo por mim.

Eu preciso de você para sentir que o fundo do poço é o lugar que sempre evitei estar.

Mas espere. Porque agora eu penso em você todos os dias quando estou sozinho na minha cama, e os seus amigos começam a me tocar com as palmas sujas de ingenuidade infantil e a falta de foco que só eles poderiam ter. Eu espero que você faça o mesmo por mim. Porque eu não sou quem eu inventei ou pretendi ser: eu espero que você diga para mim que eu não sou metade tão ruim quanto eu achei que seria.

Porque à outra metade eu já não confio salvação. Mas eu espero que a sua seja a mão que vá me tirar do fundo da minha cama. Eu espero que você faça o mesmo por mim. Porque eu faria o mesmo por você.

Eu faria o mesmo por você.

Eu preciso de você pra me provar que o que eu quero é me levantar da minha cama toda manhã quando eu quiser simplesmente afundar e morrer.

domingo, 3 de julho de 2011

Ossos Na Água (O Outro, Parte III)

Toda vez que eu penso em te jogar escada abaixo, eu lambo meus lábios. Eu começo a salivar como um animal selvagem, sentado no ápice do gráfico de liberação de adrenalina perante à idéia de subverter sua caça com suas presas e garras. Toda vez que eu penso em te rasgar a pele macia com os dentes - e não é que este seja um pensamento raro, perceba, - eu os mostro em um sorriso débil.
Mas não entenda isso errado. Porque essa é a única forma que eu conheço de te mostrar que eu realmente me importo com você - seja da forma e intensidade que for.

E eu te engano por esporte a cada chance que eu tenho. Eu minto para você o tempo todo, e eu crio fantasias tão próximas da verdade, que você cai todas as vezes, vez ante vez, vez após vez, e outra vez.
Mas não me entenda mal. Eu deixo pequenos rastros para você me descobrir: eu deixo impressões digitais no lado de fora da sua janela na forma de mensagens de incentivo; eu deixo marcados no seu pescoço avisos de perigo. Eu faço gravuras de você dilacerada por uma matilha de criaturas noturnas e as deixo embaixo da sua cama, e eu fico excitado em pensar que um dia você as pode encontrar.

Eu tenho um presente para você.

Eu capturo fatias da luz pálida que entra pela janela do seu quarto enquanto eu assisto você dormir, segura debaixo dos cobertores. Eu fantasio que você está tendo sonhos selvagens comigo enquanto você dorme. Eu capturo esse momento em uma gravura; eu a estampo na sua janela com meus dedos enquanto você me inspira.

Eu tenho um presente pra você.
Ele é feito de pedaços da minha pele.

Eu quero que você veja a minha inspiração. Então eu tirei um pedaço da sua janela e me cortei com ele, e agora eu o costuro junto da minha própria pele. O vermelho do meu sangue dá um colorido fervente à minha obra enquanto você dorme e serve de musa pra minha arte. Enquanto eu te olho por essa janela. Enquanto eu te olho por esta janela, eu estou pronto pra me comprometer.

Eu tenho um presente para você.
Apenas abra a janela com seus dedos finos e gelados, e você verá.