segunda-feira, 25 de maio de 2009

Porta do Porão

Dr. Lilian Thurman: Do you feel alone right now?
Donnie: Oh, I dunno. I mean I'd like to believe I'm not but I just... I've just never seen any proof so I... I just don't debate it anymore, you know? It's like I could spend my whole life debating it over and over again, weighing the pros and cons and in the end I still wouldn't have any proof so I just... I just don't debate it anymore. It's absurd.

Acho que é hora de admitir certas coisas. Como, por exemplo, de que eu talvez esteja voltando. O silêncio mudou de padrão, e têm soado cada vez mais familiar, como outrora. A solidão é diferente. Pra me sentir sozinho, precisaria estar inserido em um contexto; a percepção da solidão de caráter depende que o objeto esteja inserido num ambiente comunitário e mesmo assim, ainda sinta-se um buraco negro. Acho que você não pode fugir muito de quem você é, a princípio. Mas até isso perdeu o sentido. E é nesse espaço que me encontro: nada mais faz sentido. É tudo irrelevante, e eu não sei o que importa de verdade. Talvez não; talve a questão não seja ainda essa. Possivelmente, a questão é: existe algo que importa de verdade? - e o silêncio é novamente familiar, epifânico. Acho que você não pode fugir muito de quem você é, a princípio. E de uma forma astrológica, somos todos definidos no princípio, no momento da concepção. Não existe fuga, não existe mudança, só soma - e é por isso que a História nunca perde páginas. Da forma confortante em que se coloca, todos nós temos uma missão, e viemos ao mundo para completá-la. Acho que é hora de admitir que talvez eu não esteja mais fantasiado de coelho: eu nem sei mais se eu nasci um ser humano.

Existe um motivo pelo qual não se permite olhar pra dentro. Existe uma razão para que não se decifre sentimento em forma de razão. O interno não me é agradável - e por isso, não sou. Por isso agrego múltiplos, por esse motivo descentralizei o ego próprio. Para afastar a consciência do que existe por dentro. Não há uma razão, não há um marco, nunca houve de outra forma. Não é questão de acontecimento, é questão de ser, por si só. Acho que você não pode fugir muito de quem você é, a princípio. E se você é o que esconde, eu sou um pesadelo.

Gretchen: Some people are just born with tragedy in their blood.

Eu queria dizer, objetividade, mas falhei novamente. Me perdoe.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

A Madrugada Assonora

Eu tenho um problema eterno com a madrugada.
É uma relação de extremos, a nossa, como não poderia deixar de ser. É a hora em que eu funciono, de fato. Como já disse o grande Vinícius de Moraes: "de manhã, escureço; de dia, tardo; à tarde, anoiteço; de noite, ardo". Conotações sexuais travessas que possam vir atreladas ao último verso - e eu sei que alguém vai pensar "travesti" quando o ler, então, nem pensem. É o momento em que eu consigo pensar, criar, prestar alguma atenção, calcular, andar à frente. Mas é um instante injusto, e em um instante vago, o foco se perde, as luzes ofuscam e ameaçam desligar-se, e eu entro num mundo sombrio como a própria, aonde eu construi um lar. "Adaptabilidade" não é a palavra correta, mas é a primeira que me vêm à mente.
Como não poderia deixar de ser, o anoitecer é meu ciclo de vida. A criatividade gera profundidade de espírito que se encolhe de medo que produz. Se encolhe sozinha e cria um imaginário estelar, um maquinário de engrenagens cinzentas e lustrosas. Os motivos de atenção se esvanessem, restando pouco no que se focar e se perder senão o próprio. E a mente viaja livre no escuro ao longe, pela janela, nas luzes foscas de insones, aqueles como eu, ou amendrotados como de outrora.
Como haveria de ser, lá fora faz frio, como aqui dentro. Lá fora é o breu, e é bonito como a arte do acaso. Além do vidro, existe uma vida singular, de tantos pontos desfoques, e mesmo assim única.
Como haveria de ser, eu não vou à aula amanhã.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Sobre ter 19 anos (e algumas outras coisa)

- Stephen King, A Torre Negra Vol. I, O Pistoleiro - Introdução

"Os hobbits eram grandes quando eu tinha 19 anos (um número de alguma importância nas histórias que você vai ler).


Havia provavelmente meia dúzia de Merrys e Pippins marchando pelo barro da fazenda de Max Yasgur durante o Grande Festival de Mú­sica de Woodstock, o dobro disso em número de Frodos, e Gandalfs hippies sem conta. O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien, era tremenda­mente popular naquele tempo e, embora eu nunca tenha passado por Woodstock (certo, é uma pena), acho que fui no mínimo um meio-hippie. O suficiente, sem dúvida, para ter lido a coleção e me apaixonar po ela. Os livros da Torre Negra, como a maioria dos romances fantás­ticos escritos pêlos homens e mulheres da minha geração (As Crónicas de Thomas Covenant, de Stephen Donaldson, e A Espada de Shannara, de Terry Brooks, são apenas dois dentre muitos), tiveram suas raízes nos de Tolkien.


Mas, embora eu tenha lido a coleção em 1966 e 1967, demorei a escrever. Reagi (e com um fervor algo tocante) ao ímpeto da imaginação de Tolkien — à ambição de sua história —, mas queria escrever uma história ao meu jeito e, se tivesse começado naquela época, teria escrito no dele. Isso, como a falecida Velha Raposa Nixon gostava de dizer, não seria direito. Graças ao senhor Tolkien, o século XX teve todos os duendes e magos de que precisava.


Em 1967, eu não fazia a menor ideia do tipo de história que poderia escrever, mas não importava; confiava que ia reconhecê-la quando ela cruzasse comigo na rua. Tinha 19 anos e arrogância. Sem dúvida arrogância suficiente para achar que podia cozinhar um pouco minha inspiração e minha obra-prima (como tinha certeza que haveria de ser). Acredito que aos 19 a pessoa tem o direito de ser arrogante; geralmente o tempo ainda não começou suas furtivas e infames subtrações. Ele nos leva os cabelos e n poder de explosão, como diz uma conhecida canção country, mas no Inndo leva muito mais. Eu não sabia disso em 1966 e 1967, e, se soubesse, não teria me importado. Podia imaginar — vagamente — ter 40 anos, mas 50? Não. Sessenta? Nunca! Sessenta estava fora de cogitação. E aos 19 é assim que deve ser. Dezenove é a idade em que você diz: Cuidado, mundo, estou fumando tnt e bebendo dinamite, por isso, se você sabe o que é bom pra você, saia do meu caminho... aí vai o Stevie.


Os 19 são uma idade egoísta, que restringe severamente as preocupações da pessoa. Eu tinha muita coisa na minha frente e era o que me importava. Tinha muita ambição e era o que me importava. Tinha uma máquina de escrever que carregava de uma porra de apartamento pra outra, sempre com alguma coisa para fumar no bolso e um sorriso na cara. Os compromissos da meia-idade estavam longe, os ultrajes da idade avançada, além do horizonte. Como o protagonista daquela música de Bob Seger, que agora eles usam para vender caminhões, eu me sentia infinitamente poderoso e infinitamente otimista; meu bolso (estava vazio, mas a cabeça estava cheia de coisas que eu queria dizer e o coração cheio das histórias que queria contar. Parece sentimentalóide agora; soava maravilhoso então. Soava muito tranquilo. Mais que tudo, eu queria penetrar nas defesas dos meus leitores, queria rompê-las, capturá-las e trocá-las, para o resto da vida, por nada mais que histó­rias. E sentia que podia fazer essas coisas. Sentia que tinha sido feito para fazer essas coisas.


Até que ponto isto parece pretensioso? Muito ou pouco? De um modo ou de outro, não peço desculpas. Eu tinha 19 anos. Não havia um único fio grisalho na minha barba. Eu tinha três calças jeans, um par de botas, a ideia de que o mundo era minha ostra, e nada do que aconteceu nos 20 anos seguintes provou que eu estava errado. Então, por volta dos 39 anos, os problemas começaram: bebida, drogas, um acidente de carro que mudou meu modo de andar (entre outras coisas). Já escrevi longamente sobre o assunto e não preciso voltar a ele aqui. Além disso, para você tanto faz, certo? O mundo acaba sempre lhe enviando a bosta de um Patrulheiro para retardar seu avanço e mostrar quem está no co­mando.

Você que está lendo isto sem a menor dúvida já encontrou (ou vai encontrar) o seu; eu encontrei o meu e tenho certeza de que ele vol­tará. Ele tem o meu endereço. É um cara mesquinho, um Mau Elemen­to, o inimigo jurado da piração, da putaria, do orgulho, da ambição, da música alta e de todas as coisas dos 19 anos.


Mas ainda acho que essa é uma idade muito boa. Talvez a melhor idade. Você pode rolar no rock a noite toda, mas, quando a música cessa e a cerveja chega no fim, você consegue pensar. E sonhar sonhos grandes.

O Patrulheiro mesquinho acaba mais cedo ou mais tarde po­dando você e, se você já começou pequeno, pois é, quando ele acaba, não sobra quase nada além da bainha do seu corpo. Arranje outrol, ele grita e sai marchando com o bloquinho de multa na mão. Por isso um pouco de arrogância (ou mesmo um monte) não é tão ruim, mesmo que sua mãe, é claro, tenha dito outra coisa. A minha disse. O orgulho vai embora depois da queda, Stephen, disse ela... e eu constatei — bem na idade certa, isto é, 19x2 — que você acaba mesmo caindo. Ou que é empurrado para a vala. Aos 19, podem mandar você parar no acosta­mento, sair da porra do carro, levar sua dolorida queixa (e sua bunda ainda mais dolorida) para o meio da estrada, mas não podem apreendê-lo quando você senta para pintar um quadro, escrever um poema ou contar uma história, pelo amor de Deus, e se por acaso você, que está lendo isto, é ainda muito novo, não deixe os mais velhos e suposta-mente mais vividos lhe dizerem nada diferente. Certo, você nunca es­teve em Paris. Não, você nunca correu com os touros em Pamplona. Claro, você é um moleque que três anos atrás ainda não tinha cabelo debaixo do braço... mas e daí? Se você não começa grande demais para sua calça, como vai caber dentro dela quando crescer? Deixe que ela rasgue, não importa o que os outros digam, esse é o meu ponto de vista; sente-se e fume a calça."

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Feliz Aniversário, Oráculo.

Feliz 19.

Hora de brilhar mais do que nunca.