domingo, 8 de abril de 2012

A Casa das Mentiras

Essa casa é uma ilusão.
Essas paredes, esse amor, esse carinho, todos esses são falácias.
Este é o circo do sol. Enquanto Ele estiver de pé, a iluminar a nós todos, nós somos uma trupe. Somos bailarinos executando passos em que não acreditamos. Somos palhaços rindo sorrisos que não nos pertencem, até o Sol se pôr.
E quando ele se pôr, o circo fecha as portas, e somos todos animais.
As hienas estão soltas essa noite e todos nós pensamos ser mais um truque de malabarismo.
Se todos os seus familiares mentirem pra você, bem vindo.
Bem vindo ao Circo do Sol.
Porque quando o Sol se põe, começa a realidade. E você não a conhece.
Você e toda a sua arrogância, sua megalomania de achar que toda a vida responde a você.
Você começa e termina todas as suas frases com você.
Você não vê?

As pessoas tendem a me dizer que tudo está bem, tudo são flores, até que você descobre que você conjuga todas as frases com "eu" no começo e no fim.
E você pensa: eu não sou tão egocêntrico assim.
É verdade. Você não se perdeu tanto assim.
Bem que você gostaria.
Mas isso é você gritando que você quer ser reconhecido como qualquer coisa que você o seja.
Sem fingimento. Sem interpretação.
Você é capaz?

Você reza todo dia pra se cercar de coisas reais, mas o mais real que você conhece é você mesmo e seus defeitos.
E você pensa:
"Será que eu estou tão preso ao que eu me lembro de mim mesmo?"
Este é o Circo do Sol. O Sol se põe, e nós somos animais livres.

terça-feira, 3 de abril de 2012

O Próximo

Hoje, eu acredito saber exatamente o que eu quero.
O que eu espero e gostaria da vida; não que eu acredite que vá alcançar, mas acredito que seja o que eu desejo. Também não posso afirmar ao certo; já acreditei nisso outras vezes e fui enganado.
Também não espero que alguém entenda porque eu desejo isso. Pudera: é praticamente o oposto do que as pessoas querem, de modo geral.
Eu mesmo não sei se acredito no que penso. Inclusive, existem vezes que eu acredito em coisas completamente opostas a isso, em ambos os extremos.

O que eu desejo é ser medíocre.

Eu peço todo dia para não me sentir uma aberração quando estou cercado de outras pessoas. Em especial, gostaria de deixar de sentir isso, enquanto todos acham que sou especial.
E eles estão certos. Eu sou o próximo, eu sou especial. Eu só não me sinto exatamente assim.
Mas também não sou louco de dizer que me sinto como o extremo contrário. Especialmente sentindo desprezo por todos que me rodeiam. E no fim das contas, as duas médias não fazem um valor mediano; elas se cancelam. Eu não sinto (quase) nada.

Eu procuro insistentemente alguém que me faça sentir o "normal".
Não procuro um amor eterno e diferente. Não quero todos os dias descobrir algo novo sobre as pessoas que me cercam e nunca, jamais cair na mesmice. Eu não quero estar com aqueles me façam continuar me sentindo como se eu fosse algo a mais.
Eu quero estar com as pessoas que me fazem sentir que sou mais um, que não sou especial, que não sou diferenciado, que não sou o melhor entre todos. E não aceito simplesmente as pessoas que me façam me sentir mal: seria mais fácil assim, apenas me aproximando de quem não presta. Mas eu não me saboto, e nem isso é o ponto principal do meu desejo. Eu quero sentir que não sou infinitamente maior que todos ao meu redor, mas porque todos são do mesmo nível que eu consegui alcançar, e não porque eu me rebaixei ao nível das pessoas comuns.

Esta é a coisa que eu desejo e nunca serei capaz de obter. Eu sei disso; é impossível conseguir isso que eu desejo. Mas eu não quero mais nada. Eu só preciso sentir isso, e não uma vez. Porque, como amar e perder não é o mesmo o mesmo que nunca amar, eu nunca aceitaria de novo beber a água depois do vinho.

Então, ao invés disso, eu vou contar pra todo mundo que o meu desejo é acreditar pra sempre na minha fé, na raiva sem rosto e sem alvo que eu carrego. Porque se eu não posso ter, eu posso ignorar que ninguém mais terá, e vestir a coroa outra vez.

Ira (Parte II)

“Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo: a tua vara e o teu cajado me consolam.” (Salmo 23, 4)

E mesmo que eu ande pelo Vale das Sombras, eu não temerei homem algum; pois a minha Ira é a minha flecha.
Mesmo que a minha chama não se acenda, mesmo que de tudo eu me esqueça.
Mesmo que só de mim, eu dependa; mesmo que apenas de outros eu me ressinta.
A minha flecha seguirá implacável e absoluta. A minha Ira será infinita.
A minha sede será sempre bem-vinda, e o meu fogo pulsará pra sempre a vida.
Pois mesmo que eu caminhe pela vida eternamente, igualmente infinda será a minha Ira.
Ela falará na sua língua esquecida, palavras que Homem algum se recorda.
Quando ela disser "sede", haverá água. Quando ela disser "abra", abrirão-se todas as portas.
Ela dirá a verdade, e jamais por linhas tortas. A minha Ira é absoluta, e a minha flecha é certeira.
E mesmo que eu navegue por um mar de incertezas, de nenhuma delas eu terei medo; pois a minha Ira é minha bússola.
E ainda mesmo que eu me perca pela constelação de Ursa, nenhuma noite gelada me fará fraquejar, pois minha Ira é minha fé e minha Lua.
Na minha Ira, a minha fé é inabalável. Na minha Ira, eu exerço minha crença, enquanto minha flecha segue sua sentença, inabalável é sua certeza.