segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Zona

Quem te disse que eu era uma pessoa gentil te enganou.
Eu não enxergo nada. Eu não sou capaz de sentir nada.
Eu vou me recostar até que eu caia pra trás, mas eu não vou dar a mínima. Eu já senti isso tudo outra vez, outras vezes.
Eu não preciso de ninguém. Só que eu estou aqui, então é melhor fazer o melhor que puder antes que alguém estranhe.
E eu não vou enxergar nada, eu não sinto coisa alguma, mas mesmo assim eu vou te tocar direito.
Assim que eu entrar na minha zona.
Eu vou te tocar da forma certa. De um jeito um pouco predatório, um tanto lânguido, e muito distante, mas da forma certa.
E então, você vai embora. Porque assim eu desejo, porque assim que essas mulheres vulgares saírem da minha vida alguma coisa de bom vai acontecer. Só não sei ainda o que é, mas assim eu acredito.
Ela me diz que gosta da vista daqui de cima. Ela vê todos os colegas dela lá embaixo, daqui de cima. Então por que você me apressa tanto?
Só temos eu e você aqui no topo.
E se você não gosta de atenção, eu não sei como você vai se virar pra aguentar isto.
Ela me diz que gosta da vista daqui, gosta da forma como se sente. E por Deus... Eu construí isso tudo por mim mesmo. Especialmente, eu construí isso tudo para mim mesmo.
Eu te dou o que você pedir, mas me deixe entrar na minha zona primeiro. Então eu farei amor com você através dela; apenas me deixe ficar de olhos fechados.
Eu não preciso ver, eu não preciso sentir nada. Eu não preciso de nada disso pra te tocar da forma como você quer que eu te toque.
Em especial e em definitivo, esta é a forma com que você quer que eu te toque.
Eu não preciso de ninguém e nem queria estar aqui. Mas eu estou, então me deixe ficar de olhos fechados antes que eu me sinta abandonado outra vez.
E então eu vou te tocar da forma que você gostaria. De uma forma completamente impassional, de dentro da minha zona.

domingo, 31 de julho de 2011

Chifres

Me responda o seguinte: você já reparou que os nossos chifres sempre se entrelaçam?

Já percebeu que a malícia que eu tenho em cada célula do meu corpo é a mesma malícia que você tem âmago da sua graça angelical? Repare que eu e você sempre nos pegamos no mesmo pensamento, mesmo que nós dois estejamos pensando em vermelho.

Eu me pego fascinado vez após vez em como eu e você conseguimos misturar os nossos chifres em uma coisa só. E eu quero que você saiba que eu não trocaria essa sensação por nada nesse mundo. Enquanto eu e você travamos disputas violentas com nossas galhadas enoveladas, eu sou um homem completo. Você vê o que significa dizer que um homem sem uma identidade absoluta se sente completo?

Perceba: os nossos chifres sempre se misturam em uma entidade só. Eu beijo a sua boca, eu mordo o seu rosto, amor ou ódio; pouco interessa. Você consegue ver isso? Que por um instante eu sou - uma pessoa em singular - enquanto eu e você estamos enganchados em uma figura única? Você pode ver o quanto isso me faz mais homem e menos idéia - e o quanto isso significa pra mim?

Eu fico absolutamente perdido sem as suas garras presas nas minhas. Eu me olho no espelho e eu não faço a menor idéia de quem eu sou, porque o meu reflexo sem as suas patas se confundindo com as minhas simplesmente parece vulgar e sem sentido. A minha imagem sem os seus erros, e acertos, e qualidades, e defeitos, parece simplesmente errada. E a questão toda se resume no fato de eu não fazer questão alguma de consertar esse erro.

E daí que eu me vejo como um borrão distorcido quando você não está perto de mim? E daí que eu acho normal a sua existência estabilizar o meu foco e dessa forma, eu ser capaz de me definir como um ser apenas?

Eu fico perdido sem os seus chifres perdidos nos meus. O meu reflexo parece simplesmente estúpido comparado ao que eu e você formamos no campo visual. Eu e você nos misturamos em uma coisa superior, perfeita - absoluta. Eu e você somos absolutos. Eu sequer começo a desejar partir o emaranhado dos seus chifres com os meus. Por favor, me faça mais humano então.

Me diga... Você já reparou que os nossos chifres sempre se entrelaçam?

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Marvin

Eu já tomei doses e mais doses, e mais um monte de gente já me ligou dizendo que eu deveria ir pra casa. Eu deveria ligar e ir pra casa, porque eu estive fora por muito tempo. Mas eu tenho passado tanto tempo fora de mim que eu vou pegar o telefone e te dizer:

Você está preocupada comigo agora? Eu só estou preso numa nuvem. E você quer saber por que? Pra que?

A garota com quem eu gostaria de estar está feliz com um outro cara, um homem de valor. Mas eu não sou um homem de valor, então com quem diabos você está?

Se você está lendo isso, é porque ele não está por perto. Eu sei que você se preocupa. Mas eu só estou dizendo que você poderia estar melhor. Me diga que você tem ouvido isso ultimamente e eu vou dizer que já imaginava.

E eu vou começar a te odiar só se você me pedir, porque eu talvez precise disso. Eu preciso odiar, sentir rancor, porque honestamente, eu não sinto muito mais do que isso.

Acho que sou viciado na minha solidão e no meu rancor. Eu acho que sou viciado nos meus próprios monstros, e eu gosto da minha própria cabeça pra poder passar tempo suficiente nela pra não saber viver no mundo real fora dela. Entenda que você os conhece - os que vivem nela, - então eu não os vou dar nome. Eu só estou tendo um tempo difícil para me ajustar a eles; vê a coincidência? (E você me pergunta se eu tenho bebido muito - eu só quero saber se você tem ouvido isso ultimamente.)

Eu só quero dispersar, espalhar. Quero me preocupar com segurar o seu cabelo enquanto você passa mal de tanta bebida no seu sangue, ouvindo o resto da festa dizer que eu e você somos dois loucos, mas que no fim das contas, no fim das festas, nós somos feitos um pro outro. Mas cá entre nós, estamos nossos respecitvos quartos, e eu penso se você tem pensado em mim, e se você tem ouvido muito ultimamente dos outros que poderia estar melhor. Tome um drink gelado agora. Vai te fazer sentir melhor; mas não vai te fazer se sentir mais viva.

Eu quero que você diga que não liga a mínima pra quem você conhece, ou acha que encontrou, e que você pensa apenas no que nós temos. Porque isso é estar melhor. E isso você não vai ouvir de ninguém que não de mim. Eu vou começar a odiar somente se você me forçar a isso.

Você não tem tempo mais, porque você tem vôos pela manhã, e eu me pergunto que porra você faz que é tão importante, ou mais importante. Eu tomo outro drink, gelado, e puta que pariu, eu não me sinto nem um centímetro mais vivo ou sólido.

Porque eu criei um paradoxo, aonde nós odiamos todo mundo aqui; então eu estou te ligando agora porque eu preciso de você, mesmo que você não queira me ouvir, agora que todos estão indo embora da festa. Eu estou tendo um instante, um momento, um minuto - eu estou tendo anos difíceis tentando me ajustar. E eu só estou dizendo isso porque você pode fazer melhor que eu. Porque eu preciso de alguém pra dividir o meu fardo. Mas você não virá, então eu estou em apuros. Embora você possa, e deva, estar melhor que isso.

Eu só estou te ligando pra dizer que eu não tenho mais nada pra acreditar. Agora, você pode me perguntar se eu tenho bebido demais. E eu penso que você não faria diferente no meu lugar. Eu sou viciado na minha própria consciência, até que toda ela tenha se desfeito e esteja tudo errado. Só estou te ligando pra dizer que eu espero que você não esteja gastando seu fôlego, como eu, sobre as coisas que você tem tanto medo em você mesma...

Eu simplesmente rezo pra que você não esteja. Eu simplesmente rezo pra que você venha.

E que por favor, você esteja melhor do que eu.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O Fundo

Eu cheguei agora no meu quarto. Me deixe te contar como eu o vejo.

No fundo da minha cama, há um lago. E no fundo desse lago, vagam os seus amigos. Sim, os amigos, que você prima como pedras de milha. Nós nunca somos o que pretendemos, ou inventamos, não é? E eles não nadam. Eles não esboçam reação. Bem, deixe-me contar-te isso: eles estão todos mortos.

Existe algo de muito ruim, muito malicioso, muito mal no meu coração. E eu invento todas essa mentiras, e as atuo à perfeição, porque existe algo de muito sombrio vivendo no meu âmago.

Um cedro - o seu medo - foi atingido por um caçador, no fundo do coração, e agora as hienas o circundam com intenções pouco louváveis, e todas elas vieram para lhe expor as entranhas. Quando eu morrer, eu vou assistir as hienas te dilacerarem o peito orgulhoso.

Eu te oferecereria um quilo de cocaína numa bandeija de prata se eu achasse que isso te ajudaria a fugir. Não é esse o caso - nunca o será. Mas eu espero que você faça o mesmo por mim. Mesmo que não seja isso verdade.

Hoje eu te vi jogar o seu buquê de casamento para os seus amigos dormentes no fundo do lago da sua inoperância. E agora, o que eu devo fazer se a sua presença for a única coisa que me fizer me sentir um caçador ao invés da presa? Nós nunca somos o que pretendemos ou inventamos ser.

Se eu quisesse morrer antes de me tornar senil, eu teria começado a cavar a minha cova há muito tempo. Mas você me conhece: você sabe que a minha cova haveria de ter quatorze pés para me conter. Eu vou carregar a caixa com os seus ressentimentos pro resto da minha vida.

Me diga que quando nós falamos do Pai, Filho e Espírito Santo, você não pensa que nós apenas nos tornaremos pó. Me diga que você sente que dará virtude ao Pai, conforto ao Filho e Santidade ao Espírito. E me diga que você faria o mesmo por mim.

Eu preciso de você para sentir que o fundo do poço é o lugar que sempre evitei estar.

Mas espere. Porque agora eu penso em você todos os dias quando estou sozinho na minha cama, e os seus amigos começam a me tocar com as palmas sujas de ingenuidade infantil e a falta de foco que só eles poderiam ter. Eu espero que você faça o mesmo por mim. Porque eu não sou quem eu inventei ou pretendi ser: eu espero que você diga para mim que eu não sou metade tão ruim quanto eu achei que seria.

Porque à outra metade eu já não confio salvação. Mas eu espero que a sua seja a mão que vá me tirar do fundo da minha cama. Eu espero que você faça o mesmo por mim. Porque eu faria o mesmo por você.

Eu faria o mesmo por você.

Eu preciso de você pra me provar que o que eu quero é me levantar da minha cama toda manhã quando eu quiser simplesmente afundar e morrer.

domingo, 3 de julho de 2011

Ossos Na Água (O Outro, Parte III)

Toda vez que eu penso em te jogar escada abaixo, eu lambo meus lábios. Eu começo a salivar como um animal selvagem, sentado no ápice do gráfico de liberação de adrenalina perante à idéia de subverter sua caça com suas presas e garras. Toda vez que eu penso em te rasgar a pele macia com os dentes - e não é que este seja um pensamento raro, perceba, - eu os mostro em um sorriso débil.
Mas não entenda isso errado. Porque essa é a única forma que eu conheço de te mostrar que eu realmente me importo com você - seja da forma e intensidade que for.

E eu te engano por esporte a cada chance que eu tenho. Eu minto para você o tempo todo, e eu crio fantasias tão próximas da verdade, que você cai todas as vezes, vez ante vez, vez após vez, e outra vez.
Mas não me entenda mal. Eu deixo pequenos rastros para você me descobrir: eu deixo impressões digitais no lado de fora da sua janela na forma de mensagens de incentivo; eu deixo marcados no seu pescoço avisos de perigo. Eu faço gravuras de você dilacerada por uma matilha de criaturas noturnas e as deixo embaixo da sua cama, e eu fico excitado em pensar que um dia você as pode encontrar.

Eu tenho um presente para você.

Eu capturo fatias da luz pálida que entra pela janela do seu quarto enquanto eu assisto você dormir, segura debaixo dos cobertores. Eu fantasio que você está tendo sonhos selvagens comigo enquanto você dorme. Eu capturo esse momento em uma gravura; eu a estampo na sua janela com meus dedos enquanto você me inspira.

Eu tenho um presente pra você.
Ele é feito de pedaços da minha pele.

Eu quero que você veja a minha inspiração. Então eu tirei um pedaço da sua janela e me cortei com ele, e agora eu o costuro junto da minha própria pele. O vermelho do meu sangue dá um colorido fervente à minha obra enquanto você dorme e serve de musa pra minha arte. Enquanto eu te olho por essa janela. Enquanto eu te olho por esta janela, eu estou pronto pra me comprometer.

Eu tenho um presente para você.
Apenas abra a janela com seus dedos finos e gelados, e você verá.

sábado, 18 de junho de 2011

Silvestre

De cima do muro os contratos que estabelecemos são um ultraje. Eu sei que eu prometi o mundo. Eu não estava mentindo; só estava enganado.

Estatisticamente, isso era sobre mim, mas você achou um modo de entrar na equação.

No topo do mundo os contratos que nos ligam e nos mantém unidos são uma piada.
E aqui eu estou conversando com a atmosfera densa que me cerca; falando a língua do vento, reprogramando nossos contratos, e desejando entender o que você diz.
Porque parece que nós cometemos um erro. E parecia tão confortável que achamos que nunca chegaríamos aqui - mas cá estamos.
Parece que nós cometemos um erro. Nós fomos egoístas e impulsivos. Fomos possessivos com você e comigo.
Estatisticamente, isso não é sequer sobre você e eu.

Sete anos e contando, esperando por um ideal de conforto que eu achei que fosse amor, apenas pra descobrir que eu estive errado o tempo todo.
Por sete longos anos, e contando.
Embora eu conte com mais frequência o tempo que me resta do que o tempo que passou.
Eu tenho agora T-menos quantos anos?
(E contando...)

Isso não é amor.
Porque nada é tão doce quanto encher esses desejos com esperança.
E nada pode ser assim tão traiçoeiro.

Isso é a vida no centro de tratamento intensivo.
Isso é fisioterapia emocional, para que eu possa me curar de mim mesmo, e caminhar por mim mesmo, com os meus próprios pés.

Estatisticamente, isso não é sequer sobre você e eu.
Isso é meu, sinceramente meu. Apenas meu.

Isso é a vida num hospital.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

O Cisne Gigante (Parte II)

O Cisne Gigante, há muitos anos, perdeu a voz. Seu bico se tornou pixelado, milimetricamente transformado em padrões repetitivos de palavras sem vida. A cada mentira que você conta, menor se torna a resolução do canto do Cisne; cada vez que você se convence delas, menos cor a fotografia da sua voz retém, e mais vulgar se torna a sua canção de morte.

O Cisne Gigante tem fantasmas inúmeros e infinitos residindo nas suas asas brancas, aveludados como nuvens de perfume na forma do âmago do desespero. Por mais que tente voar, ele carregará pra sempre o peso do remorso desses que passaram e encontraram refúgio em suas penas elegantes e frágeis. E quando o vinho acaba e o cabaré dançante entoa sua última canção, o Cisne Gigante sabe que nunca reclamará pra si o céu acima de seus olhos.

O Cisne Gigante guarda em suas entranhas fotos Polaroid de tudo o que ele observa - e ele observa eternamente; ele armazena no seu interior como marcas de queimadura as gravuras bizarras da vergonha que a vida transmite como uma doença. Você pode nunca saber, mas o Cisne Gigante sabe quem você é e tem uma foto sua em um momento de fraqueza e desgosto gravada no peito, e ele sente muito, por você e o seu esforço jogado fora, seu caráter raso e sua falta de foco.

Ele escreve uma peça aonde você é o protagonista, e aonde todas as garotas que você gostaria de ter fodido fazem uma participação especial. E, por Deus, você não acreditaria no final. Ele fotografa esse momento. E o momento não é nada parecido com o que a fotografia mostra.
(Cisne Gigante, me carregue para casa)

O Cisne Gigante tem nuvens radiotivas embaixo da sua língua, mau fado de um talento perigosamente nuclear. Suspeitamente carismático. Inacreditavelmente gentil.
Suas penas são cidades pouco suspeitas. E a essa altura, o seu peito se transformou num apartamento vazio, as paredes cobertas de fotografias mentirosas e habitado apenas pelo perfume amargo da solidão. Você poderia se sentar na mobília cara e luxuosa e assistir TV até morrer ali. Morrer ao não ver o tempo voar ao seu lado. Morrer sozinho. Morrer de solidão.

Mas cante, e a sua voz não vai parar de florescer jamais.

O Cisne Gigante tem um coração de diamante, tão raro que não se pode dar um preço. Mas o seu couro foi removido e dele foi feito decoração, e o seu cabelo é uma merda mesmo, então de quanto é a sua oferta?

Agora é um bom momento para se despir até o seu esqueleto vulgar, se sentar e assistir as bailarinas chutarem e girarem sobre seus próprios pés. Mas eu recomendaria tomar mais uma dose do que de mais forte a casa te oferecer. Vai doer como um nascer do Sol cru e malicioso, o veneno de uma caravela pirata quando o Cisne Gigante se explodir em fogos de artifício e fumaça dourada no apagar das luzes do cabaré.

Assim você voltará ao seu quarto de hotel, com a cortina fechada, e o cheiro da comida podre vai te lembrar que você não sai do quarto há sólidas duas semanas. Se você colocar a mão por debaixo da cama aonde as prostitutas executam seus serviços, você vai descobrir um reservatório de cocaína assustadoramente grande, porém menor que da última vez que você visitou o cabaré aonde reside o Cisne Gigante. Você vai ligar a TV na CNN para se lembrar que o mundo é uma tragédia, e assim não se preocupar com seu filho recém-nascido, que veio ao mundo pela virilha que você está alugando...

Batidas na porta, e você sabe quem é.
A sua sombra entra pela porta usando uma máscara de ski, e subitamente isso é uma machadinha na sua garganta.
"Me dê todo o seu dinheiro! Me dê toda a droga!"

E depois que ela for embora, você vai perceber que o Sol é uma metáfora esnobe de toda essa vida. Você vai arranhar o vidro até as suas unhas sangrarem, mas você não vai viver essa pintura.

Você é o remorso borbulhante e ácido da sua família, e você acha que está só dormindo e sonhando um delírio de marasmo.
Mas essa é a cortina fechando sobre você.
(Cisne Gigante, me carrege para o rio)
Todas as coisas que você gostaria de dizer estão enterradas com a sua cabeça rasurada, e todos os seus motivos superiores...
(Cisne Gigante, me carregue para o rio)
Você ainda não sabe quais são.
(Cisne Gigante, me carregue para o rio)

quarta-feira, 1 de junho de 2011

A Hiena (Parte I)

Veja este sorriso.
Este não é um sorriso alegre; sequer é um sorriso de alegria. Esta á uma careta retorcida de ardil.
Nos dias em que se acorda torpado, toma conta das suas funções um sorriso venenoso que poderia enganar, não fosse a sensação de incômodo, como que te avisasse: este não é um sorriso alegre.
É um sorriso de malícia.
Este ri com a mesma malícia com que rouba a presa que se preza abater, o sorriso que se preza manter.
Eu serei a hiena quando a atmosfera parecer ameaçar e nas arestas mal aparadas da luz diurna surgir o conflito que te faz o sangue quente, marchar em frente.
Porque perante este, a hiena ri. Não com alegria; mas com o esgar agressivo daquele que se diverte perante à dança das adversidades que te fisgam os objetivos.
A distância entre seus olhos inequívocos na noite furtiva, como a sua figura escondida por trás do riso jovem, e a presa orgulhosa. Com o orgulho que você clama roubar para si.
Não por necessidade. Eu serei a hiena quando privar-te dos seus orgulhos for o meu prazer.
Pelo fim do prazer. Pela mentira que este riso conta.
A mentira de uma vingança, um remorso, solidão ou desamor que se transforma no fogo de conquistar.
Este não é um sorriso alegre; ou sequer é um sorriso. Esta é uma convulsão de um prazer negro, profundo daquele que tem orgulho das próprias presas.
Este não é um animal; ou sequer é uma forma material. Esta é uma das figuras que habitam a chama do espírito do homem.
A chama da ofensividade, o sangue da presa abatida com o gosto doce da complitude.
Completar o instinto flamejante de subjugar. Surrupiar, satisfazer, suturar; repetir.
Eu serei a hiena quando o ser humano não for suficiente para ser completo por si.
Eu serei a hiena quando ser não tiver significado por inteiro.
Eu serei a hiena quando o obstáculo significar por si.
Este não é um sorriso de alegria; esta é a malícia de uma vontade inumana que só pode ser saciada com a ferocidade canina de um sorriso.
Que ria por último aquele que ri melhor.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Algo Que Eu Nunca Terei

Eu preciso de você.
E essa sensação de precisar de você só me leva à paranóia.
Porque eu preciso de você, mas não porque você faz tudo isso que reside em mim sumir; eu preciso de você porque você traz todas essas coisas de volta pra dentro.
Eu preciso de você, mas não para me fazer dormir e sonhar; eu preciso de você todas as vezes em que eu não consigo dormir porque me perco em idéias de você.
Eu preciso de você, mas não porque você me enche de coragem; eu preciso de você porque com você eu sei sentir alguma coisa, mesmo que seja medo.
Eu preciso de você, mas não pra me mostrar "como"; eu preciso de você pra me forçar a deixar de fazer as coisas como eu as fazia.
Eu preciso de você, mas não porque você enche o meu mundo de cores; eu preciso de você porque você transforma tudo em cinza, e assim eu sou capaz de definir as coisas.
Eu preciso de você, mas não porque você me faz sentir orgulho e ver tudo de forma diferente; eu preciso de você pra sentir vergonha de mim mesmo, e saber que nada mudou.
Eu preciso de você, mas não porque em todos os lugares eu enxergo você; eu preciso de você porque você me faz ver em tudo essa visão borrada da decepção que eu fui.
Eu preciso de você, mas não porque você me faz querer ser alguém maior; eu preciso de você porque você me leva pra um plano aonde a minha humanidade é uma piada.
Eu preciso de você, mas não porque você faz sentir que eu tenho algo de verdadeiro; eu preciso de você pra me dizer que eu não tenho absolutamente nada de valor.
Eu preciso de você, mas não pra concretizar a esperança que eu tenho de nós; eu preciso de você porque todos esses desejos estão à deriva no fundo de um oceano de fracassos e erros de planejamento.

Eu preciso de você porque você me mostra que a única coisa que eu quero é algo que eu nunca terei.

terça-feira, 26 de abril de 2011

O Naipe Negro de Copas

Neste inverno, outra vez atravessaremos uma comédia que experimentamos involuntariamente: a dramaturgia do nublar a hora em que se dedilha com a respiração as coisas que não tivemos força para concretizar. Com a delicadeza divina como a que tivemos quando construíamos castelos de cartas, selecionávamos os naipes que adoraríamos que compusessem o nosso esforço. Mas também esse esforço nublou no silêncio de uma madrugada assonora: que palavras seriam grandes o suficiente para mensurar o inverso de algo que não se consegue explicar?

Existe o lado negro do naipe de copas. Existe a contraparte negra para todo cisne branco que impera majestoso sob a luz do dia, e existe entre essas duas idéias uma imensidão de milhas que as separam; enquanto ao mesmo tempo, existe um milhão de artérias e veias que as unem em um coração apenas. E a névoa que esconde o dia pergunta: que linhas separam um do outro?

Ou ainda: existem linhas que separam um do outro?

A realidade é que talvez essa pergunta não tenha de fato resposta.
Você me dizia que nunca saberia de verdade quem eu sou.
Simplesmente talvez eu não seja, tanto assim.

Agora isso tudo se foi na névoa silenciosa. O sentido de toda essa grandeza se perdeu num cabaré escuro como a noite, aonde quando cessa todo o aplauso e a percepção se fazem doer fogos de artifício num palco com fumaça dourada. As coisas que dissemos um para o outro se foram para sempre, náufragos no escuro denso das milhas que separam um lado de outro de um mesmo ideal.

As coisas que tentamos explicar um para o outro se esvaíram numa despedida forçada, enquanto no horizonte se vê necessidade.

Então diga a todos que você conhece que você não me reconhece mais; que no meu coração não existem ouros. Conte a todos que você conhece que nesta casa só existem espadas.

Diga para todos que você conhece que eu reconheço que estava errado. Este tanto você vai poder saborear. Sob as asas de algo tão frágil, esse tanto eu soube. Parecia calmo e certo embaixo delas, de costas para o chão, nós dois curando os cortes que pareciam tão supérfluos naquela grama verde. Naquela hora eu achei que soubesse que minha paixão queimava completamente. Mas no fundo, eu sempre soube que você seria meu nêmesis.

Os laços que enovelamos se relacionam no seu íntimo com a tragédia, e não é surpresa que estes andem de mãos dadas. Então viva, coração. Viva o ás de copas.

Porque você sabe que não há nada pra você aqui dentro.

Então ateie fogo neste coração negro.
Ateie fogo a este coração negro.

domingo, 24 de abril de 2011

Colosso

O outro lado da cerca é um lugar sombrio. Do outro lado, você pode ver os menores livres e sentindo as coisas que você nunca sentiu, enquanto teus grilhões te acorrentam ao marasmo de um hábito que sua genética herdou de outrem. Olhe para os lados e sinta os ínfimos correndo livres e sentindo misérias, enquanto seus pulsos te prendem ao seu próprio infinito. E você pergunta o que sentem aqueles que sentem, enquanto no seu lado do muro a terra é árida como bem quer. Seus pulsos são planetas, e dos grilhões que o prendem, você não pode se livrar; certamente se fosses do tamanho dos mortais, a mente que te prende seria um detalhe. Porém és um gigante, um colosso, e és eternamente preso pela sua grandeza. Sua magnitude te tem como um fantoche, faz sua imensidade se tornar obsoleta, e teu semblante fecha. Teu semblante eternamente impassível é uma dádiva cultuada que engrandece e te tem como ferrolho aterrado ao peito murcho. E quando tua sina te chama, teus pulsos como Saturno te fazem doer. Mas tu não gritas, pois é eterno. E a eternidade pra ti soa como um oceano de carência que tu não sabes tocar.

terça-feira, 29 de março de 2011

O Jogo da Culpa

1) Este é o jogo da culpa. Eu te tenho carinho infinito, mas te digo nomes injustos. Te chamo de megera, e você grita que eu sou um traidor. O jogo acaba quando nós dois descobrirmos que estivemos errados o tempo todo.

2) Na parede do banheiro, eu escrevo "eu preferia discutir com você do que estar com qualquer outra" e volto uma casa. Eu saio e jogo a idéia fora e me acho outra e ando uma casa à frente. Eu esqueço as discussões e os sentimentos e prefiro ser eu mesmo, mas eu mesmo me descubro sozinho às duas da manhã e eu telefono. Eu desligo e começo a me culpar. Eu volto para o Início.

3) Se você não é perfeita, mas fazia a vida valer a pena, fique na casa onde está; é possível que sentimentos verdadeiros aflorem e o jogo pare por um instante.

4) Se faz muito tempo que não nos falamos, desde a última vez em que cansamos do jogo, eu espero que você esteja conseguindo de outros tudo o que eu dei do meu sangue para que você tivesse de mim. Ande muitas casas, é o que eu te desejo.

5) Se você nunca viu um membro da realeza se emocionar, toda vez que você voltar uma casa - sucessivas vezes - e eu souber por outra pessoa, outra pessoa que jogou o meu nome na lama pra você se sentir melhor, fique onde está. Quem está provocando quem?

6) Toda vez que alguém reparar em você, eu ando uma casa. Você deveria se sentir agradecida por eu ter reparado em você primeiro: agora você é reparável, admirável, e ninguém pode mais te controlar. São uma da manhã e ninguém pode dizer onde você está; quantas casas você andou hoje.

7) Toda vez que todo o seu mundo te disser que eu sou imprestável e que menti pra você durante o curso de todo esse tempo (e você acreditar), volte duas casas e por favor, não espere que eu entenda.

8) Toda vez que você disser que você não era a garota certa pra mim, e que eu encontraria uma garota do tipo "eu-gosto-de-arte", eu vou procurar essa casa no tabuleiro, porque eu acreditei em você.

9) Perca a sua vez se você se deixar levar pelo impulso e sentir, viver uma mentira. Agora quem é mais culpado?

10) As coisas que costumavam ser verdade viraram nada. Não é que tenham virado mentira; elas simplesmente não o são mais nada, conjunto vazio. A partir do momento em que o carinho for extinto e nos tornarmos inimigos públicos, nos distanciamos cada vez mais em estradas opostas, e ninguém sabe por que estradas diversas andaremos depois. Se você começou o jogo com o mundo nas mãos e um coração leve e agora não tem mais nada a que se segurar, avance uma casa se você tiver fibra suficiente pra aguentar a solidão. Caso contrário, Deus tenha piedade de quantas casas você vai voltar. Que Ele te dê paciência para por muito habitar esse espaço do tabuleiro.

11) Toda vez que você perceber que você não pode amar alguém tanto assim, perca a sua vez. E torça pra não lembrar disso no dia seguinte. Volte uma casa.

12) Se você estiver fazendo o que você sempre faz, o telefone tocar diversas vezes e você atender sem querer, e eu ouvir tudo o que está acontecendo e sentir uma decepção pesada como chumbo, eu volto uma casa.

13) E finalmente, quando alguém te perguntar daqui há muitos anos quem te pegou pela mão e te ajudou a dar o primeiro passo, colocar a pedra fundamental que edificou a majestade que você se tornou; quando te perguntarem quem te fez se sentir tão valiosa que você nunca esqueceu a sensação; quando te perguntarem quem te ensinou a fazer outra pessoa se sentir um colosso, uma imperatriz, por favor, me tenha o carinho de dizer que fui eu. Quando você for capaz de dizer isso uma primeira vez e nunca mais esquecer como isso te fez enxergar tudo de outra forma, o jogo acaba e nóis dois vencemos.