quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Concreto

Eu me ergo sujo e cansado. Eu olho para trás, para um dia no qual agora percebo inúmeras falhas. Eu olho através desta janela, para esta cidade que eu respiro, respeito, e percebo que todos os seus habitantes são minha posse. Eu me sinto cansado como nunca havia me sentido. Passaram-se muitas horas desde que acordei, e eu ainda estou sujo, de pé em frente à esta cidade a que eu presto homenagem, e que me presta respeito. Você não saberia como isso faz sentir. Este sentimento será pra sempre desconhecido a você, para quem eu olho através deste vidro, e mesmo assim eu sinto você contido em mim. Eu estou tentando ser algo além de você dentro de mim. Eu gostaria de representar você em tantas formas quanto eu pudesse, que eu fosse significante para você. Mas você sequer me conhece, e eu tento tanto quanto um homem pode tentar. Há um limite para o quanto eu posso tentar. Eu converso com você frequentemente, eu tento entender o que você espera de mim, mas eu cheguei à conclusão de que eu nunca te entenderei se eu não sei o que eu espero de você. Às vezes eu espero seu reconhecimento, em outras espero que você me agradeça. Em diversas vezes, espero que você me esqueça, e nem sempre sou correspondido. Eu espero muito de mim, e espero muito de você. Espero coisas que eu não sei delimitar. Espero que você me mostre coisas que eu não espero, que me surpreenda. Eu sou frequentemente surpreendido pelas coisas que você me mostra. Eu estou sujo, e cansado, e eu olho para você, dentro de mim, muito maior que eu, e eu me perco no que você significa. Eu quero ser tão grande quanto eu posso ser, quanto você é, mas eu não sei se sou capaz. Eu sou um homem sujo, de tentativas, de trabalho. Houve um tempo em que eu tentei ser casto. Este tempo há muito passou. Eu tenho unhas e dentes, como você, e eu te transformo em um motivo para tentar ser cada vez maior. Eu me ergo sujo, cansado. Eu me levanto cada vez mais incompleto. Eu me levanto sempre mais cedo. Eu me ergo cada vez menos eu. Eu me ergo sempre mais parecido com você e menos comigo mesmo.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Ferida

Eu me lembro de uma década completa em que eu te persegui. Eu me lembro de te guardar num lugar carinhoso dentro de mim que esporadicamente coça na minha consciência, e eu te procuro pra saber se você ao menos sobreviveu. Porque a culpa é minha. Eu te fiz passar muitos maus momentos. Eu te acertei uma flecha uma vez há uma década, e desde então você vem tentando retirá-la do seu corpo, sem sucesso, e esporadicamente, saber disso coça dentro de mim. E eu te procuro para ao menos saber se a ferida coagulou. Eu não sei dizer o que houve com você quando você não se mostra pra mim. Quando eu te busco e você não me deixa saber que sobreviveu, eu não sei o que pensar. Não sei se sou assassino ou se sou vítima. Sei que eu te busco mais uma vez, dez anos depois de te acertar pela primeira vez, e depois de tantas vezes te acertar posteriormente, ainda. Ainda te busco. Não sei se você desaparecer me faz tão ridículo quanto eu me sino; veja bem, eu causei isso, em primeira instância. A culpa é minha, e eu venho tentando remediar esta culpa ao tentar saber como sua vida se desenrolou desde que eu te mostrei que não tinha interesse em você. Sabe o quanto isso soa mesquinho, um homem não ter interesse em alguém? Sabe o quanto isso soa maligno, demonstrar desinteresse em alguém? Mas eu não sou um homem mesquinho, muito menos um homem maligno, ainda menos um homem desinteressado em você. Eu sou um homem, tão somente. Eu não sei direito o que te dizer, sequer sei de certo o que eu quero. Eu sei que eu te busquei outra vez, e as horas têm passado, os dias têm passado, e você não me busca em retorno. E eu me pego perguntando-me: você sobreviveu e não se lembra de mim? Ou você pereceu à minha flecha?

sábado, 29 de junho de 2013

O Assassino Não Sobreviverá

Eu tenho estado tão distante de você, e é uma pena que eu sinto bem dentro de mim. Eu lembro de você constantemente, e até estou fisicamente a um toque de te sentir, mas eu tenho estado tão distante de você, e é uma pena. Você é muito especial, e é uma pena. Acontece que um de nós dois teve que deixar de ser para que o outro sobrevivesse. É estranho pensar que nós temos essa relação, nós que somos independentes, e somos duas pessoas, várias pessoas, mas ainda assim não podemos coexistir. Um de nós teve que morrer pela mão do outro. Um de nós teve de ser abandonado, e é uma pena. Você é muito especial, e eu me tornei apenas mais um. Eu me lembro de você me levar em frente, me direcionar, me mostrar foco, mas ainda assim, você teve que morrer para que eu me tornasse simples, e mundano, e vulgar. Não consigo mais ser diversas pessoas ao mesmo tempo. Me perdoe. Saiba para sempre que você é especial. Lembre-se do significado de "especial". Você é diferente entre tantas coisas vulgares, e eu me fiz à semelhança destas coisas, e é uma pena, mas você teve que deixar de ser para que eu o fosse. É uma pena, mas eu não me arrependo. Ainda assim, eu sinto a sua falta. Existe uma sensação incomparável em me sentir uno outra vez depois de me encontrar disperso no ego, e você me proporcionou isso durante tanto tempo, que eu quase sou capaz de sentir vergonha por te assassinar desta forma. De certa forma, eu sinto essa vergonha; de outra forma, essa é uma vergonha que carrego com orgulho. Te apagar da existência me fez uma pessoa melhor. Ou talvez eu tenha simplesmente aceitado que sou uma pessoa pior. Uma pessoa em singular. Porque eu convivo graciosamente com a ciência de que um de nós teve de morrer para que o assassino sobrevivesse. Eu sou contente na sabedoria de que eu fui o assassino. Espero que você me perdoe.