quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Eu Somos

Essa solidão que sinto não é tristeza. Nem sequer um sentimento triste. É o distanciamento natural, físico, a impossibilidade de ser. Eu estou em lugar nenhum. Estou dentro da mente, em um mundo de idéias, feito de razão, e aqui faz muito, muito frio. Essa tristeza que sinto não é um sentimento, e sentir arruinaria a complitude dessa decepção. É saber que por mais perto, eu não seria capaz de habitar o mesmo espaço, porque dos meus, existem dois - três, quatro, cinco; e estamos todos num plano feito de idéias. Idéias sem idade, idéias etéreas.
Você não seria capaz de me reconhecer se me visse. Não seria capaz de me apontar um dedo se me visse de perto. O que se reconhece é o produto; mas eu sou a equação. Os fatores que disputam entre si para formar uma imagem nítida em um plano em que eu não existo.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Rei da Dor

Você saberia diferenciar o alívio que sente da agonia que sentiu? Saberia dizer se do céu que você admira cairia o raio que te partiria a consciência em duas e te faria drão? Morte é a solidão que te agoura no escuro, no frio de uma noite em um verão que nunca morreu no seu peito, fotografias e recortes, temperaturas que você não saberia mais descrever. Os invernos debaixo da sua ausência são rigorosos. Olhe para outro lado e lave o sangue entre os dedos; o sangue que preenche o abismo dos nossos nomes gravados na parte interna das alianças feitas sem méritos, as enormes lacunas entre as nossas semelhanças. Você saberia me dizer para onde ir, ou de onde veio? Usaria o véu que cobre a minha mágoa no dia em que se fechasse a porta do meu último leito, colheria as rosas entoando cânticos que nascem dos orifícios aonde a sua fuga me feriu? Medo é o seu sangue desdenhoso, seu ardente desgosto, desgostosa relíquia; sua energia vital fluindo em suas curvas de sereia, como borboletas em seu estômago, em seu sétimo dia de prazer, as asas desfalecendo lentamente, se juntando ao pó que dança invisível no vento que sopra para longe o seu perdão. A sua carícia é um corte fundo no formato dos seus dedos, tamborilando outrora em minha pele, num gesto tímido e distante de afeto. Tamborilando. Reconhecer é parte de um ato lento de prevenir, e reconstruir. Tamborilando. Me diga por favor que sou um tolo. Tambor. Engatilhe a sua dúvida; aperte o gatilho.
Há um pequeno ponto negro no Sol hoje.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Reconhecimento

De todas as coisas que eu desejo, - e eu desejo o tempo todo, como uma criança - a que eu desejo com mais afinco é ser. E desejaria ter começado a ser mais cedo. Ou não ter começado de forma alguma. A transição do "existir" pra "ser" é como um batismo em águas profundas: você vai inevitavelmente abrir a boca para respirar, e vai engolir a água fria do mar, salgada como lágrimas, como se aquela água quisesse preencher o vazio no seu peito, e vai se afogar... E um dia vai acordar numa praia, em um lugar novo, e vai começar de novo; ou quem sabe, pela primeira vez. E mesmo estando sozinho, aquela sua velha conhecida Solidão não vai te encontrar. Você pode se sentir só, mas só você sabe o que é se sentir sozinho de verdade, não é? Mas ainda assim, você engoliu muita água do mar, salgada como lágrimas - lágrimas de quem? E esse sal não vai nunca sair de você. Vai se depositar entre as suas juntas, e vai te cortar como o frio quando você tentar seguir em frente; vai se acumular entre os olhos, e vai te fazer chorar quando você menos esperar. Vai fazer seu coração bombear ácido ao invés de sangue.
Essa dor vai te assombrar pro resto da sua vida recém-adquirida.
Você vai se perguntar inúmeras vezes ao longo do caminho se valeu a pena vir ao mundo; ao mundo da existência concreta, da vida ao invés da sobrevida de meramente "estar". Talvez você então acorde na sua cama, no escuro do seu quarto, torpado, e rindo como uma Hiena do seu pesadelo sentimentalista. Ainda intangível, ainda uma fortaleza, com seus dentes como adagas iluminando o escuro, e um cheiro de sangue como indiferença nos dedos. Então você saberá que ainda sobrevive. E você terá o mesmo pesadelo por vezes seguidas, recorrente, como um gosto amargo na boca, uma lembrança que insiste não ficar escondida no armário. E você chegará à praia, tentará andar, e acordará novamente, nesse ciclo persistente; até o dia em que cair na terra dura, e despertar novamente com o rosto no chão quente. Você não terá voltado ao escuro da sua cama, ao cheiro de enxofre do seu quarto. Então, você saberá que, finalmente, está vivo.