quarta-feira, 27 de junho de 2012

Você Não Saberia

Você não me conhece.
Você vai não vai me conhecer.
Eu não me conheço.
Me conheça?
Eu me sinto sozinho por tempo demais. Eu deveria ter começado muitos anos atrás a construir companhia, mas me perdoe, eu falhei mais uma vez.
Eu falhei miseravelmente.
Eu rezo pra que você faça isso por mim.
Você não saberia. Você não vai saber.
Enquanto nós falamos da Trindade, nós viramos pó. Nós estamos acabados, acabando irreversivelmente a cada instante. Cada momento que você perde tentando me decifrar é um momento a menos que você vive de verdade. Você não vai saber, jamais. Então ao menos viva.
Acredite em mim quando eu disser que não vou te desapontar. Eu não vou. Você nunca terá fé em mim o suficiente pra que eu te desaponte.
Mesmo que eu te conquiste. Mesmo que eu te ame. Mesmo que eu te conheça, e te preveja, e te oriente.
Mesmo assim.
Mesmo desta forma, você nunca vai olhar pra mim como um filho, ou um irmão, um amigo, um companheiro. Você olhará pra mim como olharia para uma lápide. Como se eu sempre tivesse algo escondido, algo a ser descoberto, algo a ser desenterrado, e que você prefere que apodreça embaixo da terra.
E é verdade. Eu realmente tenho.
E você certamente preferiria.
Eu gostaria de te dizer por agora que eu te amo, mas parece que eu não estarei por perto. Então você não saberá.
Você não me conhece. Eu te peço: me conheça?
Acredite em mim se eu disser que eu não te quero por perto. É verdade. Eu não quero te magoar.
A vida que eu não sinto é preciosa demais para magoar. Você não saberia disso. Saberia?
E mesmo que atirem contra mim tudo o que eles têm, eu voarei quando eles pensarem que eu afundei. Existe muito de mim enterrado. Algo de agradável, semelhante à asas, mesmo que haja muito de desagradável.
Portanto no dia que eu subir, saiba que os Céus conheceram misericórdia. Assim como te dizem que eu sou um bom homem, e você acredita; isso nada mais é que perdão pela simplicidade dos homens.
Quando eu subir aos Céus, saiba que houve perdão na minha ascensão.
Saiba que eu sou um ser humano quebrado e falho. Não mais frágil, mas hoje concretamente despedaçado.
Saiba que você nunca conhecerá essa parte de mim.
Saiba que você nunca conhecerá essas partes de mim.
Você não vai saber. Você não vai reconhecer.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Fantasia

Houve uma vez um reino, e então, nunca o houve.
Tão simples como se nunca tivesse existido, essa é a realidade. A existência dele depende simplesmente - de forma simples - da sua crença nele. E se eu contasse, ninguém acreditaria.
Ninguém acreditaria se eu dissesse que nesse reino a água fluía, porque tudo o que eu soube contar era corrupto. Você não acreditaria em mim se eu lhe contasse a verdade, pois tudo o que sei contar são mentiras.
Eu me sinto viúvo de você; muito embora nunca lhe tenha tido.
E afinal de contas, quem lhe disse?
Muitos já cantaram sobre você, tantos outros compuseram inspirados em você. É disso que você necessita, disso que te alimentas: tu te alimentas da atenção dos outros.
Tu ceifas o olhar dos outros como um morcego hemófilo. Um animal sombrio, e como eles vive nas trevas, a ceifar o sangue dos vivos. Você é um ladrão do calor dos homens que lhe prestam homenagem.
E veja, o reino nunca existiu. Domínio é apenas uma percepção quando de frente para ti. E percepções são o teu domínio.
Eu sinto que lhe deveria dizer tudo isso, mas não sou capaz de dizer-lhe. Eu sou fraco. Meu calor já se foi.
Enquanto você se foi...
Se lembra das coisas que jogamos fora? Desperdice um segundo lembrando de todas que puder. Tente se lembrar das chances que tivemos, das oportunidades que lançamos à água.
Pois bem, todas elas se foram. A corrente as levou embora, assim como você me levou o fogo embora.
Você nunca saberia o quanto faz frio desde que você levou tudo o que eu tenho embora.
Você nunca saberia o que eu imagino de mim e de você agora que você não existe mais.
Pois agora que você se tornou um fantasma, eu posso imaginar o que quiser de você.
Posso imaginar que você era uma princesa, e eu um príncipe; bem como posso fantasiar que eu era um herege e você uma divindade. Mas não sei aceitar que você era uma ceifadora e eu, o plantio.
Eu nunca conseguia me ater a isso. Mesmo sendo verdade. Mesmo que isso importasse pra você, e eu me equivoquei nesse ponto. Agora não há ponto a se encontrar.
Pois uma vez houve um reino, e agora, ele não há. Nunca houve, enquanto você se despediu e foi embora.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

O Rugido

Aconteça o que acontecer, grite.
Apenas grite. É tudo o que você deve fazer.
É tudo o que lhe basta fazer.
Grite como os que vieram antes de você gritaram pelas coisas que eles também queriam. Como eles gritaram para evitar as coisas que eles não queriam que acontecessem. E como eles gritaram quando elas aconteceram. Mas perdendo, ganhando, ou qualquer que tenha sido o resultado, eles foram embora com um grito. Sua despedida ou suas boas-vindas foram pontuadas pela afirmação da solidez daquele momento, e dessa forma, ele foi afirmado na história.
Grite agora. Esqueça quem está ao seu redor, e deixe respirar tudo o que você tem a afirmar. Grite porque é a sua vontade, e porque depois dessa primeira vez que você fizer o que tem vontade, nunca mais você terá medo de fazê-lo.
Grite como se só isso bastasse. E saiba que se você fizer do jeito certo, bastará.
Grite agora, com todos ao seu redor. Se você fizer do jeito certo, perceberá que será ainda mais proveitoso.
Tudo o que você precisa saber sobre você mesmo está contido no momento que você mira o rosto para o céu e se deixa ressonar. É a essência de quem você é, consciência e existência, quem ruge.
Tudo o que você deve tomar, e domar, e dominar em si, está contido em um grito. Não há nada que te ensine mais sobre si mesmo do que o som da sua afirmação.
Portanto, grite. Como se só isso bastasse.
Como se só isso importasse.
O segredo é que isso é realmente tudo o que importa.