terça-feira, 25 de agosto de 2009

Náufrago

Contar uma mentira é fácil. Assim como é fácil para um mentiroso reconhecer outro, e por isso, a mentira é um terreno raso aonde se pisar. Ela atinge o fundo, invariavelmente, pela existência de uma verdade por trás dela. A mentira se aprofunda quando se mescla com verdades: uma mentira baseada na verdade é mais duradoura do que uma alucinação completa. Mas ainda assim, existe a verdade. Existe o fato, o real. Os melhores mentirosos são aqueles que não mentem; eles se convencem da mentira a ponto de se tornarem ela. Eles a vivem, acreditam piamente nela. Elimina-se a verdade, que é substituída pela mentira a se contar, e se assiste em seguida ao naufrágio da verdade pra sempre omitida. A arte, de fato, de mentir, consiste em viver a mentira.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Carta de Despedida

Se eu te dissesse um dia que eu nunca iria te machucar, e eu me certifiquei em não dizer, essa seria uma promessa que eu não seria capaz de cumprir. Se eu te disse qualquer dia que aquilo poderia ser amor eterno, eu vou limpar esse sorriso frouxo do seu rosto. Um rosto bonito e frágil, alegre e largo, como uma mentira. Se eu te fiz chorar mil vezes, você ainda me aceitaria de volta para mais duas mil, e eu ainda sentiria saudades - e eu jurei por Deus que nunca sentiria. Se eu te disse que eu estou bem, e que alcancei meus objetivos - se lembra?, - e que nenhum dos meus amigos sequer perguntou por você, você desmintiria? Mas é esse o preço de ser impessoal. Essa carta é impessoal, como a que você me remeteu há tempos atrás; as palavras parecem cair por si sobre a folha. E como ela, isso é uma carta de despedida; eu menti quando disse que não era você, e sim eu mesmo, e oh, que atrevimento o meu. Isso, sim, é uma carta de despedida, das que te ateam fogo pra ver em que cores você consegue se desfazer. Daquele meu jeito que te é familiar. Se eu te deixei esperando por dois longos anos, e você se sentiu abandonada e teimosa, eu rezei pra Deus que você nao me odiasse no fim. Se eu disse que voltaria pra casa em breve, um quarto vazio e um coração ainda mais solitário é o que você encontraria, com uma carta de forma exata entre as quatro paredes brancas. Mas você deixou as palavras caírem nas páginas, eu tentei gritar e não tive fôlego. Te pergunto se você está acordada agora: se você o beija e pensa em mim durante o ato. Espero que não. Não o satisfaria se ele suspeitasse que você beija a boca dele pensando na minha falta de caráter; essa que você compartilha atrás dos seus olhos enegrecidos. Eu poderia - sim, por que não? - fazer tudo certo. Quem sabe, se as estrelas se alinhassem, se o céu virasse veludo, se você colaborasse, se não fosse egoísta. Mas estou satisfeito, por agora, em desejar um lugar diferente, um tempo diferente, um ataque cardíaco, e um convite pra sua missa de sétimo dia. Eu sei que tive minha parcela de culpa. Eu sei que cometi uma calamidade de erros; mas você foi e será o mais gritante. E será pra sempre - o "pra sempre" que você sonha ter. Então, adeus, pra sempre.