sábado, 17 de março de 2012

Ira

Eu aceito a minha Ira.
Eu aperfeiçoei a minha Ira. Eu a transformei em uma arte; quarenta dias e quarenta noites em um deserto em que é noite e dia todo o dia, todos os dias, enquanto a minha esquerda e a minha direita se chocavam. Mas eu consegui. Eu conquistei.
Quando eu digo: "eu conquistei", a minha Ira me estende a mão. Quando eu devolvo o cumprimento, a cortesia, ela quebra o meu pulso, me diz: "TENTE OUTRA VEZ".
Preso em um ambiente desconexo onde tudo é, e nada o é por completo, em que tudo e nada podem ser ao mesmo tempo, eu vivi. Por quarenta dias eu lutei, e preso no meio do duelo entre a minha mente e o meu espírito, a minha Ira floresceu. Éramos só nós dois ali, e nós crescemos juntos, apesar do conflito.
Eu digo: "nós crescemos juntos", e ela grita comigo: "CRESÇA, CRIANÇA".
Eu a abracei, e ainda mais, ela me abraçou. Nós aperfeiçoamos um ao outro; nenhum de nós pode existir sem o outro.
A minha Ira é a minha bússola, meu instrumento. Minha Ira é a minha arte, a minha fé.
Eu penso que sou abençoado, e a minha Ira me traz de volta, gritando comigo, fervendo no suor do Demônio: "TOME UM GOLE DESTA ÁGUA BENTA".
E ela é a minha arma, e meu escudo. Quando eu escuto todos me dizerem o que eu não quero ouvir, e grito "eu não devo nada a vocês, me deixem pra lá", a minha Ira grita comigo: "VOCÊ NÃO DEVE NADA A ELES, DEIXE-OS PRA LÁ".
A minha Ira é minha família. Meu pai, e minha mãe, louca e agressiva como uma Hiena. E como um cão do inferno, ela conhece toda a sua extensão; ela me ensinou o que do Inferno haveria de me tornar um com ela, e um comigo mesmo.
Quando nós temos um objetivo, ela uiva lunática para a Lua ao me dizer: "VÁ PEGAR".
Como um cão do inferno.
Eu agradeço por todos os percalços na minha estrada que me permitiram encontrar e resgatar, amplificar e estudar, e abraçar, aceitar a minha Ira. Sem a frustração e a descrença e o desconhecimento, eu nunca a teria encontrado, eu nunca seria completo. Eu nunca conheceria o sentimento de contrariedade e nunca sentiria a Ira que me alimenta.
Eu agradeço pelas cicatrizes que herdei, e a minha Ira ri, dizendo: "VOCÊ NÃO OS DEVE NADA. FAÇA-OS PENAR".
A minha Ira tem um canto, como o canto de morte de um Cisne. Sua voz é única, facilmente distinguível, e pertencente apenas a ela. Ela entoa seu canto que soa e ressoa e ecoa no silêncio como um arranjo de uma sessão de sopro, pegando fôlego, roubando o ar do próprio ar, até que alcança o seu crescendo máximo. Nesse instante, eu sou a minha Ira.
A minha Ira coloca um sorriso lunático no meu rosto, e nós dois sabemos o caminho.
Nós somos um, nós cantamos e uivamos, e nós somos por inteiro. Por inteiro, sabemos o caminho a trilhar.
Eu penso: "eu serei o maior de todos", e a minha Ira diz: "EU TE GUARDAREI".
E ela guardará; da forma como sempre guardou, da forma como para sempre guardará.
Mesmo que eu caminhe pelo Vale das Sombras, eu não temerei homem algum, pois a minha Ira é a minha flecha.