quinta-feira, 12 de março de 2009

Quinta-feira 12

Quinta-feira 12, tudo se prepara para dar errado.
Tudo começa a se encaminhar para o pandemônio da Sexta-feira 13.
O circo de tragédias da vida se arma, e um palhaço se prepara para colocar fogo na tenda em noite de casa cheia.



Pois....


Um gato preto se prepara pra cruzar uma estrada,
E uma motorista, desviando, vai morrer estatelada.
E um bandido malvado irá assaltar os passantes
E matar um empresário, que bem pouco antes
Matara com duas balas a mulher e o amante.

Sendo que este amante era veterinário
E com sua morte (na SUIPA), um funcionário
tenta alimentar os cães, mas num acidente,
contamina a água dos cães com detergente
e eles morrem (espumando) no produto de servente.

E criancinhas que veriam os cães, de um orfanato,
caem todas em pranto quando descobrem o fato,
Mas não sofrem muito, pois um botijão de gás,
Explode, fazendo com que todos descansem em paz,
E parem de se lamentar por não conhecerem seus pais.


E os bombeiros, quando chegarem, não poderão fazer nada
Pois terão esquecido de encher o caminhão de água,
Mas também não soferão muito por serem incapazes
De salvarem criancinhas que nunca terão lares,
Pois outro botijão explode, e também os manda pelos ares.

E você , fica achando que está seguro?
Pois, se na Sexta-feira 13, você vir um gato escuro,
Se prepare pro pior, pois você também vai morrer,
Apenas torça para ser rápido e pra não sofrer,
Pois o Sábado 14 você não irá conhecer.

Retrovisor

Eu vi as coisas muito mais claras depois que você apareceu no meu retrovisor. Mas claro não é o suficiente. Descarte essa mensagem. Tentei aguentar o que não pude perdoar. Vesti a couraça, amei a blindagem, e eu vi as coisas mais claras quando você entrou no retrovisor, e nada disso me fez sentir em casa. Descarte essa mensagem. Eu pego velocidade, força, torque, cada vez que você tenta me rebaixar, me destruir, me foder. Eu mal posso acreditar que finalmente as cortinas foram levantadas, mas o dia não é dos melhores lá fora. Eu vi as coisas infindamente mais claras quando você surgiu no meu retrovisor, mas nunca por definitivo. Definitivo seria morrer em mim, como o equilíbrio é fatal para a biologia. Parecia energia, parecia sonante, mas era só distorção, dissonância, vinte e nove anos sem motivo, vinte e nove dias sem direção. Descarte essa mensagem. É hora de emancipar. O acerto não leva a lugar algum senão aonde já se encontra, e meu erro me engrandesce. Não estou pronto pra agradecer ou perdoar, e ainda não posso respirar. Pare de pesar em mim. As chaves estão no chão, e nós estamos unidos por algo que deveríamos aguentar. O medo nos une, e eu não sei perdoar. Sufocando... Eu olho pra outro lado, são feridas sem reflexo. Fui eu mesmo, sem definição, sem calor, sem motivo, sem direção, com a cabeça à seus pés, um idiota à sua coroa, e a minha ingenuidade em uma balança de prata, tentando aguentar o que não sabia perdoar. A iminência acorrentada de um touro selvagem, sem afirmação. Eu vi as coisas muito claras no meu retrovisor, e você estava lá, mais próxima do que aparecia nele. Descarte essa mensagem, jogue esta garrafa de volta ao oceano, arranque essa página dos livros de História, destrua todas as placas de sinalição, apague todos os mapas. Apague e redesenhe todos os mapas. E esqueça meu nome, esqueça meu rosto. Esqueça meu nome. E seja. Porque vai chover. E quando começar, nunca mais terminará. Eu vi as coisas muito mais claras uma vez que você esteve no meu retrovisor.

- Ao som de: Pearl Jam - Rearviewmirror -

terça-feira, 10 de março de 2009

Peripatético

Este post eu já estou guardando faz (MUITO) tempo, só nunca tinha tido tempo pra postar...agora tive... de volta às aulas, de volta ao batente, não?

* * *

Já estou no terceiro período da UFF, por mais absurdo que isso pareça.


Agora, todas as minhas aulas são feitas na faculdade de Direito, um prédio isolado de todos os outros, o que ajuda a reforçar o preconceito estúpido que o Direito tem com as outras ciências humanas (que paradoxalmente a faculdade tentou quebrar nos dois primeiros períodos).

Mas, no primeiro período, algumas vezes por semana, os alunos ainda visitavam outras faculdades para ter aula. Mais precisamente, a faculdade de economia (para aulas de economia política) e o campus do Gragoatá (para aulas de introdução à sociologia).


A faculdade de economia eu detestava. Era um prédio tão isolado quanto o de Direito, só que não tinha elevador, mas sim uma rampa escrota que cansava pra cacete pra subir, pois a sala em que estudávamos era no segundo andar e no fim de um corredor (não sei se eles punham os alunos de Direito numa sala mais isolada só de sacanagem, mas eles botavam).

Já o Gragoatá eu adorava. A gente estudava no Bloco N, ou Bloco O, não lembro. Só sei que era o último bloco, isolado, no fim do Gragoatá, ao lado da Baía de Guanabara. Era uma caminhada e tanto da faculdade de Direito até o Gragoatá, e outra ainda maior até o bloco lá no fundo. Mas ainda assim, eu gostava.

Não sei exatamente o porquê, mas o Gragoatá é bonito. Tem uma área verde ampla, árvores...dá até pra entender porquê o pessoal curte tanto fumar baseado lá. Se eu curtisse um, com certeza ia passar o dia inteiro lá fumando. Vendo os pássaros, as barcas passando na baía, o pessoal jogando bola, o pessoal de filosofia tendo aula ao ar livre, um casal se amassando, uma galera fazendo piquenique...

Tudo tinha uma certa beleza. E, apesar de eu matar quase todas as aulas, achava o professor foda.

A matéria era Introdução à Sociologia. O professor era maconheiro. Seu nome era Waldecir, e tinha o cabelo igual ao do Seu Jorge, um monte de dreadlocks. Na verdade, ele era IGUAL ao Seu Jorge.

Já fomos pra aula sabendo histórias do cara. Ele era foda, tinha pós-doutorado em Sociologia na França, mas era completamente escaralhado. Um período antes do nosso, ele perdeu todas as provas dos alunos. Falou que tinha perdido em cima de uma árvore. Acabou dando 9,5 pra todo mundo.

Ainda assim, no primeiro dia de aula, a turma toda foi para o Gragoatá. Esperamos do lado de fora do prédio e nada do professor aparecer. Dali a pouco chegou um mendigo, andando de bicicleta. Todos os viram passar e ficaram quietos. Dali a pouco, uma aluna que estava esperando o professor dentro da sala saiu do prédio e chamou todos para aula. O mendigo era o professor.

Todos se sentaram. O professor sentou-se. Escondeu as mãos entre o rosto. Ficou uns 2 minutos parado. Recompôs-se e perguntou qual era o nosso curso e qual matéria ia dar. Explicamos e ele começou a aula.
Mandou que todos anotassem em seus cadernos duas palavras. O ser e o devir. Começou a falar que o ser era estrutura, universo, luz. O devir era construção, passagem. Mandou todos pegarem o caderno e anotarem sobre o Elã Vital. Todos na sala se entreolharam e ficaram perplexos. Mas que merda é aquela?

Ele continuou a falar umas merdas. Dali a pouco, um aluno, que, supus na hora ser igualmente maconheiro, pediu a palavra. O professor concedeu. O aluno começou a falar sobre sua teoria, de que o homem descenderia do morcego. Explicou que o morcego vivia em cavernas próximas ao mar, aonde surgiu o homem. E dali viria o desejo inato do homem de voar.

O professor falou que conversaria mais tarde com o aluno. No final da aula, quando todos estavam do lado de fora, os dois passaram fumando maconha. Explicava muita coisa.
Assisti a algumas poucas aulas depois disso. Depois, comecei a matar a aula, ou até mesmo a ir para o Gragoatá e ficar no Campus fora de sala, olhando as barcas e a natureza. O professor não dava presença mesmo...

No meio do período, apareceu a oportunidade de mudar de professor. Eu mudei junto com metade da turma. Fui pra aula de uma mulher, no Gragoatá também. Pelo menos ela dava aula de Sociologia. Mas, foda-se, também matei quase todas as aulas dela.

Bem. Perto do final do primeiro período, em uma das aulas que eu fui, estava tirando xerox de uns textos que a mulher passou. Aí aparece um porteiro e fala: "E aí Rodrigo, tudo bem?".
Olhei para ele e reconheci o professor. Caralho, ele tinha raspado o cabelo. Tava pior. Pensei: "Caralho, ele deve ter fumado o cabelo também".

Perguntei o que tinha acontecido. Ele disse: "Ah, deu piolho, tive que raspar".

Eu pensei: "acho melhor ir embora logo. Já ouvi Filosofias sobre o Devir o suficiente por uma vida inteira"

Óbvio (pelas razões nada óbvias que as coisas estranhas acontecem) que isso não deu certo. Quando eu ia me virar, percebi que os outros alunos que estavam comigo na Xerox tinham sumido. Waldecir me disse: "Vai sair da faculdade agora? Eu deixei minha bicicleta no portão. Te acompanho até lá".

E assim, saí do prédio, Campus do Gragoatá afora com o professor. E ele começou a sua lição.Primeiro, me questionou sobre a vida, através do exemplo da sua bicicleta. Explicou que se a crise que vivíamos hoje existia, era porque todos estávamos inseridos na economia. Explicou que se todos éramos afetados pelo preço do petróleo, era porque usávamos o petróleo. Já ele, que andava de bicicleta, não era afetado.

Porque, afinal, o dinheiro não existia. No fundo, o dinheiro, a economia, é ficção social. É um pedaço de papel que deveria servir como representante da posse de algum elemento, como uma carta de crédito. No entanto, não existe mais o elemento representado, logo, o papel-moeda acabou se tornando o elemento. Nesse momento, ele se abaixou, pegou um pedaço de grama do Gragoatá e disse:

"Isso existe. Isso é real. Todo o resto, é Transição."

Continuamos andando. Ele falou que usava as mesmas roupas há 30 anos, e que apenas as tinha porque tinha recebido como presente. Falou da realidade do mundo, da falsa apreensão que fazemos dos fatos que observamos. De como nos tornamos alheios a tudo que não nos interessa nesse mundo, e quando algo que não nos interessa nos ocorre, nosso desejo é alienar este fato também.

Nosso passeio foi curto, deve ter durado uns 15 minutos, apesar de andarmos num passo lento.

Mas, por um instante, me lembrei de Sócrates. Lembrei de como certa vez escutei que suas aulas eram feitas em passeios ao ar livre, onde, caminando com seus alunos, os Peripatéticos, aplicava seus conceitos de Ironia, Maiêutica e as suas lições aleatórias de humildades.

Por um momento, senti passsar pela minha cabeça um estalo, um leve tinido. Era como se toda a verdade essencial do mundo, com seu devires, transições, e imagens do pensamentos fossem se revelar de uma vez só. Senti passar raspando um brilho sufocante, como se pela primeira vez na vida eu fosse compreender a vida, o universo e tudo o mais, a pergunta essencial da vida cuja resposta pode bem ser 42; ou 19; ou sabe-se lá o quê.

Mas esse lampejo durou só um instante e logo em seguida se apagou, pois...

Chegamos na porta do Gragoatá , e paramos. Ali estava uma bicicleta velha, enferrujada e sem cadeado. O Professor disse mais algumas coisas, que foi muito bom ter um aluno o escutando, e me disse para assistir algumas aulas dele de vez em quando, que um dia desses um amigo dele, um gênio iria dar uma palestra em uma de suas aulas.

Nos despedimos, ele montou em sua bicicleta e saiu pedalando, tranquilo com a vida.

Não fui nas aulas dele que falei que iria, não vi a palestra de seu amigo e tampouco o vi mais. No período seguinte, a Coordenação do curso finalmente o demitiu, substituindo-o por algum outro professor mais tradicional.

Waldecir evaporou. Não tive mais notícias dele, ele sumiu da face da terra; e certamente não é um sujeito que se possa imaginar o próximo passo. A certeza é que se poetas não morrem, se encantam; e se gays não morrem, viram purpurina;. Waldecir eventualmente virará fumaça de baseado e se espalhará pelos ares.

O passeio do Gragoatá me marcou de algum modo. Nada que vá mudar minha vida, nem afetar o meu destino. Porém, por um instante, vendo o professor partir em sua bicicleta, me lembrei do encontro que Alexandre, O Grande teve com Diogénes: Ao perguntar se poderia fazer algo pelo filósofo, este apenas respondeu: "Não fique parado em minha frente, você está tapando o sol. Não tires o que não podes dar-me".

E assim como Alexandre disse que, se ele não fosse Alexandre, O Grande, gostaria de ser Diogénes, naquele momento, e só naquele momento, vendo-o ir embrora, pensei:

"Se eu não fosse ser um cara foda quando crescesse, eu ia querer ser Waldecir".

quarta-feira, 4 de março de 2009

Giz Branco

Sente-se aqui. Deixe-me ensinar sobre o que há mais além. Em um minuto, ainda há tempo, e eu seria o primeiro a admitir. Admitiria que achei perdão em sua existência. Admitiria que é só medo, tão irracional quanto o objeto deste. Analisando friamente, o enredo então engrossa, toma ares de antítese. Estas que valsam rodopiantes sobre um eixo de amantes e formam um vendaval um tanto nostálgico. Os chifres sob o capuz dos santos, a rosa fiel e lúcida no lodo de odores familiares. Estes que dizem mais em lembranças decrépitas de uma outra vida, de outras pessoas, em outro tempo. Lembranças lunares, lembranças de Sol, lembranças roubadas de outra pessoa. Tão descuidadas, incautas e ingênuas, a ponto de não entenderem os desenhos de giz na calçada. No mangue dessas ruas, as calçadas são um campo de rosas em giz. E dos bueiros escapam fragrâncias adocicadas como o ciclo da vida em sua complitude, balas de canhão em forma de aromas diversificadamente eternos. Desço da minha solidão e me assusto com as ruas pintadas de branco com as lembranças roubadas de outra pessoa que um dia fui.

- Ao som de: Circle Takes The Square - Patchwork Neurology -