terça-feira, 28 de abril de 2009

Lembrança

Acho que você não pode fugir muito de quem você é, a princípio. Fundamentalmente, você é cimentado em tanta personalidade, tanto caráter enraizado no relógio, que fica difícil evoluir.
Eu sempre fui mais atrevido do que forte. Nunca fui uma figura de torque. Sempre fui regido de muita vontade, de raça, de sangue. Mas nunca tive a explosão, nunca fui atacante. Eu sou o mediador, o homem de meio. Eu sou o alvo primário do tiroteio, e eu caio fácil. Mas não sei ficar no chão. Meu pai me dizia que meu maior talento era ser atrevido dessa forma. Mas desde quando me tornei míope? Desde quando me tornei preguiça e não pressa?
Eu perco o foco, eu mudo de roupa. Eu escrevo notas em papel branco e colo na porta mas estou sempre distraído demais pra prestar atenção.
Eu não sou uma pessoa boa. Sequer medianamente gentil. Eu sou mal. Mas algo em mim não me deixa ser. Penso que não sei ser perverso; ou talvez o seja a ponto de saber que sendo cordial, posso conseguir mais fácil o que eu quero. Se assim for, eu sou também deplorável.
Eu estou o tempo inteiro sozinho. Eu nunca soube o que é ter uma companhia, nunca soube o que é me sentir confortável com alguém. Fosse quem fosse. E seja ainda quem for. Queria ser abençoado com um dia, que fosse, de conforto, só pra ter o gosto, pra saber como se sentem as outras pessoas. Pra talvez descobrir a minha missão.
Eu queria ter tanta fé em algo que eu fosse capaz de ser um mártir.
Eu queria tanta coisa, mas eu não sou nada disso.
Eu só faço o melhor que eu posso, quando me lembro de fazê-lo.

- Ao som de: Bat For Lashes - Siren Song -

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Rio 2016

- Jornal O Globo:


"COI chega ao Rio para inspecionar candidatura olímpica
27 de Abril de 2009 12:49



Membros do Comitê Olímpico Internacional (COI) chegaram nesta segunda-feira ao Rio de Janeiro para inspecionar a candidatura da cidade à Olimpíada de 2016. Os inspetores observarão a estrutura de locais de competição, e os projetos para segurança, transporte e infraestrutura da cidade.
O comitê de candidatura do Rio aposta em uma verba de RS 14,4 bilhões (cerca de R$ 32 milhões) e nas belezas naturais da cidade para vencer a disputa para sediar os Jogos. Os dirigentes defendem, também, que chegou a vez de a América do Sul receber uma Olimpíada pela primeira vez na história.
Os comissários do COI avaliarão a cidade durante a semana e concederão entrevista coletiva na sexta-feira. O Rio compete com Chicago, Madri and Tóquio pela Olimpíada. A cidade norte-americana e a capital japonesa já foram visitadas."






"Rio de Janeiro, 27/04/2009, Rio Olimpíadas 2016 - O prefeito do Rio, Eduardo Paes, e o nadador Popov, irão recepcionar o comitê Olímpico internacional. Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo "




- Noticiário Internacional:



" Fucking pedophiles go to Rio de Janeiro support Rio's candidature to host fucking 2016 Olympic games. It's a great place to go, lot of fucking kids to fuck. Bad news: by 2016, all the fucking kids will be over 18. (Note to self: Find new kids to fuck in 2016). The Olympic Comitee liked its warm welcome in the airport.

Fucking city sucks. I've been there and got raped by a nigger, a crocodile and a mico-leão dourado. They made me eat my own shit in a scat tv show. A travesti fucked me. It hurts a lot to be raped.

But who gives a fuck?

Where is MY COW SWELL?

Besides kids, there are a lot of bitches, niggers and gays to fuck. Cross your fingers so that fucking Rio be chosen. You can fuck anyone you want and walk naked in the jungle. Nobody gives a shit to nobody there, either way.

Watch out for bandits. They may fuck you."


"In the picture, you can see the kids that were fucked by the Olympic Comitee, with the assistance of brazilian police and politicians."

(RESENHA DO ARTIGO INTERNACIONAL ACIMA TRADUZIDO PELO SITE OGLOBO: "Comunidade Internacional apóia candidatura do Rio 2016")


- Blog da Insônia:

"Governo incentiva cariocas a mostrar a sua hospitalidade aos membros da COI.

Através de campanhas de tevê e informes publicitários, o governo brasileiro incentiva os cariocas a demonstrarem sua hospitalidade e generosidade habituais para a Comissão Olímpica Internacional, afim de que o Rio possa ser escolhido como a cidade sede dos Jogos Olímpicos de 2016.

Abaixo, um dos folhetos distribuídos demonstra como o carioca pode demonstrar o que tem de melhor para os estrangeiros, de modo que esse alegre povo possa obter o que os turistas tem à oferecer de melhor:"

"Rio 2016 EH NOOOOOOOIIIIIIS!!"

segunda-feira, 20 de abril de 2009

A Curva À Frente

A velocidade com que os quilômetros regrediam o assustara.
- Não estamos muito rápido? - perguntou àquele a seu lado.
- Depende de onde se quer chegar.
Ele continuou fitando Aquele com as mãos ao volante enquanto calculava a distância entre a pergunta feita e a resposta recebida.
- E para onde estamos indo? - se rendia então à implacabilidade.
E media o vão de quilômetros entre sua pergunta e o silêncio que recebeu como resposta.
Permaneceram ambos dessa forma enquanto as centenas de quilômetros se transfomaram em dezenas.
- Não faça perguntas as quais você mesmo não é capaz de responder.
E Ele sentia seu coração apertar, mas apaziguar, e encontrar um motivo para não se sentir vulgar.
Mas ainda era incoerente.
- Eu ainda não entendi - e ainda assim, persistente.
Viu o rosto d'Aquele se transformar em repulsa irônica. O velocímetro teimava subir. E quando estava certo que, então, iriam mergulhar na filarmônica calada da noite:
- Você faz as perguntas erradas.
Arregalou os olhos, vendo placas de sinalização sob a fraca luz dos faróis. E tendo essa paisagem em mente, se permitiu um lampejo de sobriedade.
- Aonde eu quero chegar? - disseram a si mesmas as palavras.
- Não repitirei minha resposta.
Quando Ele formulava a próxima indagação, o motorista virou-se para ele em um instante muito breve.
- Se você não é capaz de responder à essa pergunta, não a faça.
- E por que não a devo fazer? - sentia-se preso em um carrossel de vozes.
- A resposta pode não lhe confortar.
Estava certo. Não o confortou.
- Você não me respondeu para onde estamos indo. - como o céu a se abrir, viu o rosto d'Aquele se firmar em um sorriso de um sarcasmo quase artístico. Mas ainda assim, implacável.
E como o silêncio o agredisse, revidou.
- Me diga, por favor, aonde estamos indo! - seus olhos se enchiam de lágrimas. Ele nem sabia porque.
E o silêncio parecia esmoecer.
E olhou para o retrovisor, e viu Aquele fixo na paisagem refletida no espelho, mais perto do que realmente aparecia nele.
E Ele sentiu-se entrar em êxtase, algo inquieto, vislumbrado.
E por um momento, eles se entreolharam, e Aquele viu perplexidade no rosto de seu passageiro.
- Você realmente não entendeu, não é?
Sentiu a confusão se misturar com o anseio, e a vontade se transformar em medo.
- Nós não vamos à lugar algum.
E todas as emoções se transformaram em lástima quando Aquele desafivelou o cinto, tirou as duas mãos do volante e apertou o pedal.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

O Esfaqueador

Estou realmente animado com os fatos recentes que vem ocorrendo em nossa pacata cidade violenta de Niterói.
Temos um psicopata nas ruas (quer dizer, se ele ainda não foi preso).
E, caras, um psicopata nas ruas é algo MUITO foda.
Não pelo psicopata em si ser algo foda, mas o estado de pânico, os rumores e os boatos são.
Parece coisa de filme de suspense. Um "Seven", ou um "Jogos Mortais", só que real!
Esse lance dos boatos é o que mais está me divertindo... virou uma verdadeira Lenda Urbana.

Já ouvi falar que o Esfaqueador (também chamado de Maníaco da Faca) é:

-Um cara muito alto, branco, loiro, bem-apessoado.
-Um cara muito alto, branco, de cabelos grisalhos e com cara de maníaco
-Um cara muito alto, negro, com óculos fundo de garrafa
-Um viciado em cola negro (foi o que o retrato-falado que a polícia divulgou no Jornal "O Fluminense")

Além do mais, a sua área de atuação e seu número de vítimas também variam muito. Já ouvi falar que ele atua:

-No Jardim Icaraí, onde esfaqueou duas velhinhas, uma garota e um homem
-Na Praia de Icaraí, onde esfaqueou uma velhinha
-No Ingá, onde esfaqueou 3 pessoas
-Na Região Oceânica (!!!) onde esfaqueou dois adolescentes.
-E, novamente segundo a polícia, conforme matéria publicada no Jornal "O Fluminense", o drogado teria esfaqueado apenas um comerciante após uma briga, no Jardim Icaraí.


Ou seja: O que temos na verdade é muito mais um estado de pânico coletivo, com boatos pipocando aleatoriamente do que de fato um psicopata pelas ruas. Lembrei de "O Cavaleiro das Trevas" e a histeria coletiva que o Coringa provocou. Se ele estivesse vendo a situação de Niterói, tenho certeza de que estaria rindo até morrer (haha) até agora.


E além do mais, considerando os fatos, o esfaqueador seria um psicopata soft-core, que (até o momento) nem matou ninguém... nada que dê para se preocupar (como os bandidos do dia-a-dia; desses sim, deviámos ter mais medo)...
Po, o cara tem uma faca, não é como se fosse um bandido aleatório com um revólver... na pior das hipóteses:

1) Você corre;
2) Se você for muito macho, tipo um Chuck Norris, e estiver armado com algo melhor, ou igual a uma faca, você briga com o maníaco, o prende, e ainda ganha a chave da cidade das mãos do prefeito;
3) Se a opção 1 ou 2 falhar, você leva uma facada e se arrasta até um pronto-socorro;
4) Se a opção 3 falhar, você morre e não há nada que você vai poder fazer (e me sentirei extremamente chateado por ter subestimado o Esfaqueador por meio deste post).



Pois bem então. Temos uma situação inédita (ou muito rara) em Niterói: Um Psicopata serial (não vou dizer seria killer, até porque ninguém morreu ainda). Não me lembro de nenhum nos últimos 10 anos, e aí está o resultado disso: Pânico. Cada pessoa tem uma teoria, ou escutou alguma história diferente. Você provavelmente escutou uma também, se quiser compartilhar, fique à vontade.

Agora, em uma cidade que é NATURALMENTE perigosa, com bandidos REALMENTE armados com revólveres em cada esquina, não entendo porquê nós (eu, você e a galera) levamos um cara com uma faquinha tão à sério. Why so serious?








EDIT: Fiquei sabendo agora, pouco depois de lançar o post que a polícia aparentemente prendeu o sujeito. Alguém aí sabe se a informação procede?

terça-feira, 14 de abril de 2009

Marleyson e Eu

"A pouco tempo, eu, jornalista recém-formado, casei com minha namorada da faculdade, Suzana e fomos morar em uma bela casa no Rio de Janeiro. No entanto, após pouco tempo percebemos que nossa casa estava muito vazia. Ainda não nos sentindo prontos para ter filhos, vimos que precisávamos saber se éramos maduros o suficiente para tê-los.
Como somos alérgico a animais, não poderíamos ter um gato ou um cachorro para criar. Por isso, após muito pensar, tive uma idéia genial: Adotaríamos um mendigo"


Dia 1:

"Saí pelas ruas à procura de um mendigo que quisesse ser adotado. Logo na primeira esquina, encontrei um mendigo imundo, fedendo a mijo e com farelos de biscoito Mirabel na boca. Perguntei qual era o seu nome, e ele disse que era Marleyson. Eu disse - "Bem, Marleyson, você não gostaria de ter uma vida digna?". Ao que ele respondeu que sim. Não fiz a proposta para adotá-lo, mas dei-lhe uma marmita e uma garrafa de chachaça. Saí dali com a minha caminhonete. Quinze minutos depois, vi que Marleyson estava dormindo. Supus que os 8 comprimidos de Dramin na marmita tivessem feito efeito, mas fiquei na dúvida se não teria sido a chachaça que o teria apagado. De qualquer forma, adotei-o colocando dentro de um saco de lixo, jogando na traseira de minha caminhonete e indo para casa."


Dia 2:

"Hoje Marleyson acordou agitado em sua casinha. Na verdade, a casinha foi um quarto improvisado que fizemos nos fundos da casa, onde o deixamos trancados para não fugir. Só o deixarei sair após adestrá-lo. Marleyson berrava para sair, implorava por cachaça. Dei a cachaça dentro de uma vasilha de ração e ele dormiu. Sucesso por hoje."



Dia 3:

"Marleyson acordou e novamente começou a protestar para sair, incomodando a vizinhança toda. Portanto, comecei hoje o processo de adestramento, batendo nele com um jornal enrolado até que ele se calasse. Ele mostrou um pouco de resistência no começo, tentou me morder, mas acabou cedendo. Irei diminuir a ração dele para diminuir a sua força física e enfraquecê-lo."



Dia 7:

"Hoje, Marleyson parou de implorar, berrar e arranhar a porta para sair. Ele já está bem mais fraco e calmo. Suzana foi brincar com ele, jogando uma bola para que ele fosse buscar, mas ele não quis colaborar, apenas chorou. Tive que novamente recorrer à tática do jornal para que ele fosse atrás da bola. Vai ser duro convencê-lo de que ele é um cachorro, mas já estamos obtendo alguns sucessos inegáveis. Ele já bebe a cachaça e come a marmita nas vasilhas de quatro e sem as mãos. Difícil mesmo será ensiná-lo a não mijar de pé."


Dia 38:

"Um acontecimento maravilhoso hoje: Marleyson parou de falar e passou a latir! Ainda não tenho certeza se foi um latido ou apenas um choro agudo de desespero, mas, de qualquer forma, é um grande feito!"


Dia 121:

"Finalmente, Marleyson se convenceu de que é um cachorro. Percebi isso quando, ao pôr cachaça, a garrafa escorregou e me molhou. Marleyson prontamente pulou em cima de mim, lambendo minha camisa e minha cara molhadas de 51. Meti a porrada nele com o jornal, mas finalmente ele entendeu o lugar dele e já posso deixá-lo sair da casinha."


Dia 130:

"Marleyson aceitou colocar a coleira. Passeamos na rua hoje. As crianças que o viam adoravam, montavam em cima e enfiavam o dedo no seu rabo. Foi uma festa."


Dia 190:

"Percebi que meu cachorro anda olhando para Suzana com cara de tarado. Conversei com minha esposa e ambos decidimos que o melhor a fazer era castrá-lo. Ela se ofereceu para fazer o serviço sujo."

Dia 206:

"Tomei uma multa por não recolher o cocô de Marleyson na rua. Eu não devia tê-lo desensinado a limpar a própria merda."

Dia 230:

"Suzana fez o anúncio: Está grávida! Finalmente, eu, ela e Marleyson seremos uma família tradicional!"

Dia 365:

"Hoje Marleyson fez aniversário de um ano! Eu e Suzana decidimos fazer uma piadinha interna, então fizemos uma cerimônia particular, botando bolo de fubá, convidando os mendigos para comer e muita cachaça pra beber. Água ia ser sacanagem também, né?"

Dia 454:

"Marleyson estava com a mania de roer meus sapatos e o sofá. Não sabia se era de fome ou de gastação com a minha cara. Então, peguei um martelo e arranquei os seus dentes."

Dia 505:

"Nasceu meu filho, com cara de mendigo. Matei Suzana com uma peixeira e joguei a criança viva no lixo. Peguei um jornal e enchi Marleyson de porrada como nunca. Acabei matando o animal. Joguei o corpo no mar. Amanhã, saio para procurar um novo mendigo para adotar."

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Miragem

Você teve tanto tempo pra pensar em mim, e escolheu agora, logo agora, justo esse momento, pra voltar a me ver desenhado no escuro teto do seu quarto enquanto se deita em seu leito de morte. Você teve Carnavais inteiros pra perceber que aquela rotina era vã e vazia, que o que você queria era sublimidade, sub-unidade, mas você entendeu atrasada e os transformou em Finados. Foram meses de gelo numa estirpe minimalista, mas você acreditou em Sol através das nuvens que desenhavam meu nome, e quando o tempo virou, você foi pega na reviravolta. E logo agora, justo agora, quando o oceano parara de se debater, voltava para o núcleo satisfeito em não o ser por inteiro, você se prosta de pé do lado de fora de todos os detalhes que reconstrui com cautela fanática, com seu coração em punho como uma pedra, e calcula a distância da fração mais doce do arremesso, com medo de completar o movimento, mas fazendo as janelas trincarem irritadas. Por que você não percebe que foi você a incendiária que ateou fogo ao equilíbrio do meu sono, e parcialmente resignada por seus erros, continua incendiando a minha loucura em levar tudo ao fim do caminho simplesmente por não tê-lo feito você mesma? O seu caminho é cravejado com rosas flamejantes que você não consegue cortar, não lhes consegue tirar a vida. Eu tentei te levar por um atalho, te ofereci a carruagem de um leão, quis te oferecer um lugar ao sol que eu não tinha, mas por você, criaria. E você se esvaiu em confetes, fez tripas de um coração inverso, e agora pensa mandar pelos ares uma história que tomou lugar no calor escaldante de um domingo e redecorar em um jardim. Por favor, não me faça perder o que eu não tive pra te dar, e ainda não tenho pra perder.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Parte Um, Verso Dois

15:13hrs, 22 de Agosto, 2008:

Já faz um mês desde que esse circo foi armado. Duas semanas desde a última vez que vi minha irmã, pra horas depois descobrir que o telefone estava morto. Pouco tempo mais desde que o idiota paranóico apareceu na porta do apartamento. Não faço idéia se minha irmã estaria viva à essa altura... A caminho do mercadinho, passei em frente ao prédio aonde morava o namorado dela, e não vi sinais da presença de alguém no apartamento dele. O que não quer dizer nada, afinal de contas, mas não tive coragem de me aventurar dentro do prédio... Distante da luz do dia, o único lugar que confio é meu próprio apartamento, e com ressalvas. Não sei o que pode haver nos corredores e halls dos prédios, esperando um incauto procurar uma irmã em um de seus apartamentos. Não sei se quero descobrir. Não sei sequer se quero saber se minha irmã realmente está viva... Não se faz as perguntas para as quais não se quer ouvir a resposta.
Fora o aperto no coração na minha passagem pelo tal prédio, a expedição até o mercado foi pacífica. Nenhum horror digno de um mês trancafiado em meu quarto me abordou. De qualquer forma, enquanto enchia meu fiel carrinho, meu escudeiro em tempos tão esquisitos, reparei numa coisa: as prateleiras estavam mais vazias do que na última vez em que saí do estabelecimento. E disso tenho certeza; afinal de contas, ainda não estou desesperado o suficiente pra começar a comer pickles, e vejo que as latas destes em conserva começam a ficar escassas. Bom sinal. Parece que não sou o único em regime semi-aberto de prisão domiciliar. Ao menos, ainda há alguém vivendo (ou sobrevivendo) por essa região. Penso que encontrar tal pessoa - ou pessoas - talvez me ajudasse a esclarecer o que aconteceu com essa cidade; talvez alguma delas saiba que sons estranhos são esses que ouço na noite. Mas descarto sair do apartamento se não por uma necessidade... Quanto mais ir ao mercado todo dia e tentar a sorte de, em um deles, encontrar a tal pessoa. Muita exposição desnecessária. Quanto mais quando eu nem se quer sei se ela ainda sobrevive desde a última vez que foi ao mercado...
Quando cheguei, a luz elétrica não funcionava. Temi que dessa vez fosse por definitivo, mas novamente, depois de dez minutos ela voltou ao normal. Prefiro nem pensar no que vai acontecer no dia em que a luz não voltar.
Me pego pensando novamente em minha irmã. Acho que a lógica não vai aguentar muito tempo mais... Sinto que em breve passarei em frente ao prédio e não terei forças para ignorá-lo. Sinto que em pouquíssimo tempo vou descobrir se ela ainda está viva.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Parte Um

17:58hrs, 14 de Dezembro, 2008:

Essa madrugada, ouvi gritos por de trás das cortinas zelosamente fechadas do apartamento. Pela voz, aparentavam terem sido emitidos por uma mulher; talvez apenas uma menina. Talvez tenha sido a quarta vez que ouço gritos desde que aconteceu; talvez eu tenha apenas perdido a conta. O conceito de tempo parece ter sido dilatado desde que tudo aconteceu. São tempos estranhos esses... Mas quanto tempo faz? Novamente, não sei dizer. O tempo parece distorcer quando se está trancado há tanto tempo dentro de um apartamento embarreirado.
Me intriga como a energia elétrica ainda funciona, apesar de alguns períodos de apagão extensos já terem acontecido. O suprimento de água cessou há, pelos meus cálculos, pelo menos três semanas; todas as estações de rádio respondem apenas com estática, exceto aquela que dizia, com certa autoridade, que "todos os civis devem barricar-se dentro de suas casas de forma imediata" e que "não há motivo para pânico". Gostaria muito de perguntar à mulher uivante da madrugada se "pânico" foi algo que cruzou sua mente enquanto ela gritava, seja lá qual tenha sido o motivo... Talvez ela tenha esquecido de esconder-se propriamente e tenha, dessa forma, descoberto a causa de toda essa paranóia; talvez, dessa forma, essa transmissão tenha salvo minha vida. Mas novamente, eu não saberia dizer. Nunca me atrevi a sequer espiar pra fora da janela à noite. Talvez tudo esteja em ordem lá fora e a mulher gritante tenha apenas se assustado com algum tipo de roedor doméstico; talvez paranóico esteja eu, na verdade, e pra qualquer um dos dois lados.
Felizmente, a natureza me concedeu um pouco de chuva pelo início da tarde. Apenas o suficiente pra encher os reservatórios, e não longa demais que me impedisse de trazê-los para baixo antes do pôr do sol. Nem tudo são lástimas, no fim das contas. Ao menos, poderei tomar banho pela manhã.
Começo a me preocupar com a reserva de comida, no entanto... Temo que em breve terei que deixar o apartamento mais uma vez para procurar comida. Faz tanto tempo que não saio da minha fortaleza que não sei dizer se sair ao dia ainda é ao menos mais seguro que desbravar à noite para a morte certa. Quem sabe o que pode ter saído de dentro dos bueiros e fachadas decrépitas nesse meio tempo... Mas novamente, quanto tempo?