quarta-feira, 1 de abril de 2009

Parte Um

17:58hrs, 14 de Dezembro, 2008:

Essa madrugada, ouvi gritos por de trás das cortinas zelosamente fechadas do apartamento. Pela voz, aparentavam terem sido emitidos por uma mulher; talvez apenas uma menina. Talvez tenha sido a quarta vez que ouço gritos desde que aconteceu; talvez eu tenha apenas perdido a conta. O conceito de tempo parece ter sido dilatado desde que tudo aconteceu. São tempos estranhos esses... Mas quanto tempo faz? Novamente, não sei dizer. O tempo parece distorcer quando se está trancado há tanto tempo dentro de um apartamento embarreirado.
Me intriga como a energia elétrica ainda funciona, apesar de alguns períodos de apagão extensos já terem acontecido. O suprimento de água cessou há, pelos meus cálculos, pelo menos três semanas; todas as estações de rádio respondem apenas com estática, exceto aquela que dizia, com certa autoridade, que "todos os civis devem barricar-se dentro de suas casas de forma imediata" e que "não há motivo para pânico". Gostaria muito de perguntar à mulher uivante da madrugada se "pânico" foi algo que cruzou sua mente enquanto ela gritava, seja lá qual tenha sido o motivo... Talvez ela tenha esquecido de esconder-se propriamente e tenha, dessa forma, descoberto a causa de toda essa paranóia; talvez, dessa forma, essa transmissão tenha salvo minha vida. Mas novamente, eu não saberia dizer. Nunca me atrevi a sequer espiar pra fora da janela à noite. Talvez tudo esteja em ordem lá fora e a mulher gritante tenha apenas se assustado com algum tipo de roedor doméstico; talvez paranóico esteja eu, na verdade, e pra qualquer um dos dois lados.
Felizmente, a natureza me concedeu um pouco de chuva pelo início da tarde. Apenas o suficiente pra encher os reservatórios, e não longa demais que me impedisse de trazê-los para baixo antes do pôr do sol. Nem tudo são lástimas, no fim das contas. Ao menos, poderei tomar banho pela manhã.
Começo a me preocupar com a reserva de comida, no entanto... Temo que em breve terei que deixar o apartamento mais uma vez para procurar comida. Faz tanto tempo que não saio da minha fortaleza que não sei dizer se sair ao dia ainda é ao menos mais seguro que desbravar à noite para a morte certa. Quem sabe o que pode ter saído de dentro dos bueiros e fachadas decrépitas nesse meio tempo... Mas novamente, quanto tempo?

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