terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Reconhecimento

De todas as coisas que eu desejo, - e eu desejo o tempo todo, como uma criança - a que eu desejo com mais afinco é ser. E desejaria ter começado a ser mais cedo. Ou não ter começado de forma alguma. A transição do "existir" pra "ser" é como um batismo em águas profundas: você vai inevitavelmente abrir a boca para respirar, e vai engolir a água fria do mar, salgada como lágrimas, como se aquela água quisesse preencher o vazio no seu peito, e vai se afogar... E um dia vai acordar numa praia, em um lugar novo, e vai começar de novo; ou quem sabe, pela primeira vez. E mesmo estando sozinho, aquela sua velha conhecida Solidão não vai te encontrar. Você pode se sentir só, mas só você sabe o que é se sentir sozinho de verdade, não é? Mas ainda assim, você engoliu muita água do mar, salgada como lágrimas - lágrimas de quem? E esse sal não vai nunca sair de você. Vai se depositar entre as suas juntas, e vai te cortar como o frio quando você tentar seguir em frente; vai se acumular entre os olhos, e vai te fazer chorar quando você menos esperar. Vai fazer seu coração bombear ácido ao invés de sangue.
Essa dor vai te assombrar pro resto da sua vida recém-adquirida.
Você vai se perguntar inúmeras vezes ao longo do caminho se valeu a pena vir ao mundo; ao mundo da existência concreta, da vida ao invés da sobrevida de meramente "estar". Talvez você então acorde na sua cama, no escuro do seu quarto, torpado, e rindo como uma Hiena do seu pesadelo sentimentalista. Ainda intangível, ainda uma fortaleza, com seus dentes como adagas iluminando o escuro, e um cheiro de sangue como indiferença nos dedos. Então você saberá que ainda sobrevive. E você terá o mesmo pesadelo por vezes seguidas, recorrente, como um gosto amargo na boca, uma lembrança que insiste não ficar escondida no armário. E você chegará à praia, tentará andar, e acordará novamente, nesse ciclo persistente; até o dia em que cair na terra dura, e despertar novamente com o rosto no chão quente. Você não terá voltado ao escuro da sua cama, ao cheiro de enxofre do seu quarto. Então, você saberá que, finalmente, está vivo.

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