sexta-feira, 10 de junho de 2011

O Cisne Gigante (Parte II)

O Cisne Gigante, há muitos anos, perdeu a voz. Seu bico se tornou pixelado, milimetricamente transformado em padrões repetitivos de palavras sem vida. A cada mentira que você conta, menor se torna a resolução do canto do Cisne; cada vez que você se convence delas, menos cor a fotografia da sua voz retém, e mais vulgar se torna a sua canção de morte.

O Cisne Gigante tem fantasmas inúmeros e infinitos residindo nas suas asas brancas, aveludados como nuvens de perfume na forma do âmago do desespero. Por mais que tente voar, ele carregará pra sempre o peso do remorso desses que passaram e encontraram refúgio em suas penas elegantes e frágeis. E quando o vinho acaba e o cabaré dançante entoa sua última canção, o Cisne Gigante sabe que nunca reclamará pra si o céu acima de seus olhos.

O Cisne Gigante guarda em suas entranhas fotos Polaroid de tudo o que ele observa - e ele observa eternamente; ele armazena no seu interior como marcas de queimadura as gravuras bizarras da vergonha que a vida transmite como uma doença. Você pode nunca saber, mas o Cisne Gigante sabe quem você é e tem uma foto sua em um momento de fraqueza e desgosto gravada no peito, e ele sente muito, por você e o seu esforço jogado fora, seu caráter raso e sua falta de foco.

Ele escreve uma peça aonde você é o protagonista, e aonde todas as garotas que você gostaria de ter fodido fazem uma participação especial. E, por Deus, você não acreditaria no final. Ele fotografa esse momento. E o momento não é nada parecido com o que a fotografia mostra.
(Cisne Gigante, me carregue para casa)

O Cisne Gigante tem nuvens radiotivas embaixo da sua língua, mau fado de um talento perigosamente nuclear. Suspeitamente carismático. Inacreditavelmente gentil.
Suas penas são cidades pouco suspeitas. E a essa altura, o seu peito se transformou num apartamento vazio, as paredes cobertas de fotografias mentirosas e habitado apenas pelo perfume amargo da solidão. Você poderia se sentar na mobília cara e luxuosa e assistir TV até morrer ali. Morrer ao não ver o tempo voar ao seu lado. Morrer sozinho. Morrer de solidão.

Mas cante, e a sua voz não vai parar de florescer jamais.

O Cisne Gigante tem um coração de diamante, tão raro que não se pode dar um preço. Mas o seu couro foi removido e dele foi feito decoração, e o seu cabelo é uma merda mesmo, então de quanto é a sua oferta?

Agora é um bom momento para se despir até o seu esqueleto vulgar, se sentar e assistir as bailarinas chutarem e girarem sobre seus próprios pés. Mas eu recomendaria tomar mais uma dose do que de mais forte a casa te oferecer. Vai doer como um nascer do Sol cru e malicioso, o veneno de uma caravela pirata quando o Cisne Gigante se explodir em fogos de artifício e fumaça dourada no apagar das luzes do cabaré.

Assim você voltará ao seu quarto de hotel, com a cortina fechada, e o cheiro da comida podre vai te lembrar que você não sai do quarto há sólidas duas semanas. Se você colocar a mão por debaixo da cama aonde as prostitutas executam seus serviços, você vai descobrir um reservatório de cocaína assustadoramente grande, porém menor que da última vez que você visitou o cabaré aonde reside o Cisne Gigante. Você vai ligar a TV na CNN para se lembrar que o mundo é uma tragédia, e assim não se preocupar com seu filho recém-nascido, que veio ao mundo pela virilha que você está alugando...

Batidas na porta, e você sabe quem é.
A sua sombra entra pela porta usando uma máscara de ski, e subitamente isso é uma machadinha na sua garganta.
"Me dê todo o seu dinheiro! Me dê toda a droga!"

E depois que ela for embora, você vai perceber que o Sol é uma metáfora esnobe de toda essa vida. Você vai arranhar o vidro até as suas unhas sangrarem, mas você não vai viver essa pintura.

Você é o remorso borbulhante e ácido da sua família, e você acha que está só dormindo e sonhando um delírio de marasmo.
Mas essa é a cortina fechando sobre você.
(Cisne Gigante, me carrege para o rio)
Todas as coisas que você gostaria de dizer estão enterradas com a sua cabeça rasurada, e todos os seus motivos superiores...
(Cisne Gigante, me carregue para o rio)
Você ainda não sabe quais são.
(Cisne Gigante, me carregue para o rio)

2 comentários:

Anônimo disse...

Bluebird
Charles Bukowski

There's a bluebird in my heart that wants to get out
But I'm too tough for him,
I say, stay in there, I'm not going
To let anybody see you.

There's a bluebird in my heart that wants to get out
But I pur whiskey on him and inhale cigarette smoke
And the whores and the bartenders
And the grocery clerks never know that
He's in there.

There's a bluebird in my heart that wants to get out
But I'm too tough for him,
I say, stay down, do you want to mess me up?
You want to screw up the works?
You want to blow my book sales in Europe?

There's a bluebird in my heart that wants to get out
But I'm too clever, I only let him out at night sometimes
When everybody's asleep
I say, I know that you're there,
So don't be sad.
Then I put him back, but he's singing a little
In there, I haven't quite let him die
And we sleep together like that
With our secret pact
And it's nice enough to make a man weep,
But I don't weep,
Do you?

Oráculo disse...

Esse me entende.