Eu me pergunto que poder é esse você possui, capaz de roubar a minha calma, tão impassível sentado no centro dessa sala de espelhos e fumaça. Não há teatralidade aqui: esta é uma sala em chamas, enquanto eu me pergunto quantos de mim você vê refletidos nestas paredes, através de quantos de mim seus olhos conseguem enxergar, e quantas respostas cujas perguntas eu sequer conheço você seria capaz de roubar de mim.
Essas perguntas me esfolam em silêncio o tempo inteiro. Eu sou um homem ingênuo que acredita que a ignorância é uma benção e que a curiosidade é capaz de mais mal do que tirar a vida de um gato, mas que se arrisca a lançar as perguntas que, sem respostas, levariam mais do que homens e felinos à loucura.
Essas perguntas me esfolam em silêncio o tempo inteiro. Eu sou um homem ingênuo que acredita que a ignorância é uma benção e que a curiosidade é capaz de mais mal do que tirar a vida de um gato, mas que se arrisca a lançar as perguntas que, sem respostas, levariam mais do que homens e felinos à loucura.
Você já parou pra olhar para outra
pessoa, e observar a forma como ela cria tanta angústia para si? Daquela forma
inconsciente, como quem engasga com as cinzas dos seus familiares carbonizados
pela dúvida. Você se ergue como uma estátua, como que esculpida em carvão e brasas, incrédula a olhar os céus, as nuvens se partindo, se afastando. É noite, e no céu não há
estrelas. Só fuligem.
Poderia parecer uma tragédia, e
certamente seria um terceto final apropriado para um soneto escrito em
sangue, com o sangue da caneta que o corpo gelado do poeta segura em seu rigor
pós-morte. Com a convicção que este não teve em vida. Com tanta força, como se
houvesse agarrado aquele momento entre os dedos e nunca mais fosse soltar. Como
se fosse o momento mais feliz de toda a sua vida.
Meu coração está partido por
saber que o véu preto que cobre seu rosto é fino o suficiente para que você me
perceba sozinho, olhando para o cinza, a mistura de todas as cores. Me mantendo
tão perto, mesmo sabendo que me envenena lentamente te aspirar, te tragar, te
saborear, como remorso juvenil, como a covardia do forte. É um homem morto o
homem que não sabe compartilhar seus vícios; o que seria de um homem sem
vícios, então?
Eu encontrei conforto nessa
solidão cativa. Eu respirei tanta fuligem que isso já não me agride mais: obrigado
por isso. Por isso, eu te tenho tanto carinho. Mesmo ciente de que você jamais
faria o mesmo por mim.
O que me restou de você foi uma
lembrança fatigada de algo que eu nunca terei; errar uma vez é humano, tantas
vezes quanto eu errei é um vício. Você colocou uma cortina entre nós: fiquemos
os dois olhando para Deus com nossos olhos ferinos, com as unhas arranhando o
pavimento até que o sangue verta e não consigamos segurar mais a caneta, então.
Eu desejo que você olhe profundamente para mim e leia o que
está escrito nos meus olhos. Leia meus lábios enquanto eu sussurro que posso te
dar liberdade do seu arrependimento, que eu posso te oferecer paz de espírito.
Eu posso te desejar a Morte. Leia meus lábios, leia meus
olhos.
Aqui você se apresenta, dedilhando sua culpa, com um
silêncio que somente justifica esse ato de covardia, a dança das cinzas no
vento, bailarinas de fumaça.