terça-feira, 22 de setembro de 2009

Se Eu Dissesse

Eu me pergunto que poder é esse você possui, capaz de roubar a minha calma, tão impassível sentado no centro dessa sala de espelhos e fumaça. Não há teatralidade aqui: esta é uma sala em chamas, enquanto eu me pergunto quantos de mim você vê refletidos nestas paredes, através de quantos de mim seus olhos conseguem enxergar, e quantas respostas cujas perguntas eu sequer conheço você seria capaz de roubar de mim.
Essas perguntas me esfolam em silêncio o tempo inteiro. Eu sou um homem ingênuo que acredita que a ignorância é uma benção e que a curiosidade é capaz de mais mal do que tirar a vida de um gato, mas que se arrisca a lançar as perguntas que, sem respostas, levariam mais do que homens e felinos à loucura.
Você já parou pra olhar para outra pessoa, e observar a forma como ela cria tanta angústia para si? Daquela forma inconsciente, como quem engasga com as cinzas dos seus familiares carbonizados pela dúvida. Você se ergue como uma estátua, como que esculpida em carvão e brasas, incrédula a olhar os céus, as nuvens se partindo, se afastando. É noite, e no céu não há estrelas. Só fuligem.
Poderia parecer uma tragédia, e certamente seria um terceto final apropriado para um soneto escrito em sangue, com o sangue da caneta que o corpo gelado do poeta segura em seu rigor pós-morte. Com a convicção que este não teve em vida. Com tanta força, como se houvesse agarrado aquele momento entre os dedos e nunca mais fosse soltar. Como se fosse o momento mais feliz de toda a sua vida.
Meu coração está partido por saber que o véu preto que cobre seu rosto é fino o suficiente para que você me perceba sozinho, olhando para o cinza, a mistura de todas as cores. Me mantendo tão perto, mesmo sabendo que me envenena lentamente te aspirar, te tragar, te saborear, como remorso juvenil, como a covardia do forte. É um homem morto o homem que não sabe compartilhar seus vícios; o que seria de um homem sem vícios, então?
Eu encontrei conforto nessa solidão cativa. Eu respirei tanta fuligem que isso já não me agride mais: obrigado por isso. Por isso, eu te tenho tanto carinho. Mesmo ciente de que você jamais faria o mesmo por mim.
O que me restou de você foi uma lembrança fatigada de algo que eu nunca terei; errar uma vez é humano, tantas vezes quanto eu errei é um vício. Você colocou uma cortina entre nós: fiquemos os dois olhando para Deus com nossos olhos ferinos, com as unhas arranhando o pavimento até que o sangue verta e não consigamos segurar mais a caneta, então.
Eu desejo que você olhe profundamente para mim e leia o que está escrito nos meus olhos. Leia meus lábios enquanto eu sussurro que posso te dar liberdade do seu arrependimento, que eu posso te oferecer paz de espírito.
Eu posso te desejar a Morte. Leia meus lábios, leia meus olhos.
Aqui você se apresenta, dedilhando sua culpa, com um silêncio que somente justifica esse ato de covardia, a dança das cinzas no vento, bailarinas de fumaça.

Um comentário:

Oráculo disse...

Minha obra prima. :)