quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A Grande Decadência, Parte II

Dando sequência ao diálogo, que já dura quatro dias, observo um fato crucial: a expansão já aconteceu, e vem se intensificando com o passar das horas. O ser humano primitivo não sabia fazer uso do petróleo, ou do fogo, ou de qualquer coisa que a tecnologia o tenha abençoado, e é essa a ferramenta principal para o homem destruir a cadeia evolutiva. Veja bem, voltando à nossa alegórica bactéria, esta evolui por modificar a si mesma: todos os mecanismos evolutivos destas são modificações do seu metabolismo ou de sua estrutura física, sem que haja um elemento exterior a ela. O leão fica mais forte, mais rápido, mas não aprende a modificar o meio em que este vive. E essa a grande diferença, aonde a balança se desequilibra: o advento da tecnologia permitiu ao homem expandir o espaço físico sobre o qual esse tem influência, e do qual este pode tirar recursos para sua sobrevida, de uma forma tão assustadoramente grande que sem esta, desde a descoberta da manipulação do fogo, o ser humano provavelmente pereceria à força suprema de outros animais. A tecnologia equilibra as forças, visto que o homem não pode correr mais que um jaguar, mas pode construir um carro, e desequilibra-a novamente, mas em favor do homem, a partir do momento que o homem consegue refinar o carro, fazendo que este seja mais rápido que o jaguar.

A tecnologia é fruto da capacidade do homem de transformar o ambiente a seu favor. Ou talvez as duas coisas estejam tão entrelaçadas que já não se consegue definir o que é um e o que é o outro. Mas o que importa pra essa discussão é que, se o homem consegue sobreviver modificando o ambiente, e continuando menos adaptado do que outros animais (levando-se em conta apenas o animal humano), este destrói a evolução, o conceito de natureza, e o próprio conceito de que o homem é um animal. Pois se existe a delimitação entre o homem animal - o corpo físico - e o homem tecnológico, como essa capacidade de dominar o meio, então não podemos dizer que o ser humano seja completamente inerente ao grupo dos seres "naturais". Se estes estão subordinados às forças maiores da natureza, ao próprio mundo, e nós o modelamos como nos melhor convir, então podemos dizer que dominamos a força que rege a existência destes - a renovação e a limitação, a vida e a morte,- num sentindo em que não somos afetados por esta da mesma forma que eles.

Quebramos a barreira entre o ser pertencente à natureza e adotamos uma categoria própria. Controlamos o ambiente que nos cerca, nos expandimos constantemente e a velocidades incríveis, e a única barreira que nos poderia ser imposta pela natureza - a limitação, o fim dos recursos - é diariamente afastada de nossa linha de visão, visto que a cada dia o homem descobre um novo modo de utilizar o ambiente, e expande sua capacidade de sobrevida. Em alguns anos, usaremos a fusão nuclear, quando já nos utilizamos do carvão, e quando esta se exaurir, outra aparecerá, como o foi com o petróleo, a energia solar, e todas as outras formas de energia. Toda vez que a natureza tenta nos enquadrar de volta no quadro evolutivo, nos distanciamos dela.

O mundo agora caminha em direção oposta ao caminho natural que nos é imposto. Pois quanto mais descobrimos maneiras de renovar os recursos que utilizamos - uma tendência que vem crescendo nesse século em que vivemos - mais nos tornamos não só resistentes ao embate da natureza, mas também independentes dela. A cada vez que descobrirmos uma forma autônoma de geração de recursos, nos tornaremos menos animais, e mais seres tecnológicos.

Nos distanciamos da natureza, da forma de existência em que fomos criados, e nos tornamos uma forma separada de vida, não apenas vivendo como as forças que regem o meio em que vivemos ditam, mas subvertendo-as. Não somos mais animais, não puramente; somos filhos de nossa própria criatura.

- Ao som de: These Arms Are Snakes - Diggers Of Ditches Everywhere -

7 comentários:

Oráculo disse...

Temo que não tenha ficado 100% do jeito que eu queria, mas acho que vou deixar por isso mesmo. Quem sabe não aparece uma parte III por aí?

Yuichi Inumaru disse...

Não somos mais animais, não puramente; somos filhos de nossa própria criatura.

Gosto dessa frase.

Foda cara, sempre ótimo ler idéias.

Lo Scienziato. disse...

isso tá me cheirando a trilogia, ahuuhaauh

Lo Scienziato. disse...

Agora que eu li... achei meio redundante, mas bem legal. São idéias que eu ja tive, mas bem interessante ver pela sua ótica.

Nihil disse...

Huuuum,sei não...antes de quebrarmos a cadeia evolutiva e nos tornarmos "uma nova categoria",nós primeiro nos distruiremos...afinal de contas "tem que se estar preparado para se queimar em sua própria chama:como se renovar sem primeiro se tornar cinzas?"
Viva a ganância da humanidade!

Anônimo disse...

muito interessante sua idéia, Oráculo. Também já tinha pensado um pouco sobre isso.

Por sermos criaturas inteligentes, podemos utilizar nosso intelecto para modificar o meio que nos cerca, criando condições melhores à nossa existência, de fato. Frutos ou não do processo evolutivo (abro espaço aqui para teorias criacionistas, ou de intervenção divina no processo evolutivo), nossa vantagem acabou criando uma distinção entre nós e os demais seres.

O interessante seria nos questionarmos as conseqüências disso. Concordo quando você diz que não somos mais puramente animais, já que nos cercamos de espaços artificiais, construídos através da tecnologia. Mas desconsiderarmos nossa parte 'animal' seria negligenciarmos parte das nossas próprias necessidades. A vida nos meios artificiais tem levado ao surgimento de doenças psíquicas, que se refletem também fisicamente, por exemplo. Como consequência disso, já surgem movimentos de reaproximação à vida no campo, produzindo apenas para suprir nossas necessidades, tudo natural.

Essa é uma idéia bem interessante, que abre espaço para diversas discussões. Gostei da sua abordagem. té mais

Oráculo disse...

Verdade, Arthur. Quem sabe, ainda no contexto da idéia abordada, essas desordens psíquicas são o modo que a natureza arranjou, negligenciada no processo de controle da existência, de controlar o ser humano. Como um limite, ou uma debilidade instalada em nós por ela para que não sejamos autônomos.