domingo, 30 de novembro de 2008

O que eu quero fazer da minha vida

Prezado professor Ronaldo Lobão, segue abaixo uma cópia da segunda avaliação da sua disciplina Sociologia Jurídica; o trabalho, de 4 páginas com o título "O que eu quero fazer da minha vida".

"Universidade Federal Fluminense
Sociologia Jurídica - 2008.2
Professor: Ronaldo Lobão
Aluno: Rodrigo Saad Corrêa

O que eu quero fazer da minha vida

Grande parte da sociedade encontra-se diante de um dilema: escolher uma profissão que proporcione uma boa renda ou uma que dê prazer de trabalhar? O melhor dos mundos certamente seria conciliar ambos; na prática, no entanto, isso é difícil de se encontrar. Ainda mais quando se tem que escolher qual área seguir para o resto da sua vida quando se está completando 18 anos.

Pouquíssimos são os que trabalham apenas por prazer, mas estes possuem uma capacidade melhor de empregarem os seus talentos. Porém, é provável que estes vivam em dificuldades financeiras e com acesso deficiente a serviços básicos essenciais, visto que a rede de atendimento de serviços públicos no Brasil é falha.

Já a maior parte acaba trabalhando apenas por dinheiro, a fim de adquirir uma boa renda. Não é de se surpreender, portanto, que, segundo NUNES e CARVALHO (2007), cerca 30% dos estudantes de ensino superior no Brasil cursem os cursos de Direito ou Administração, cursos que tradicionalmente formam profissionais com lucros significativos, quando comparados com o rendimento médio do brasileiro. Percebe-se, portanto, o diploma de curso superior como uma perspectiva para obter altos lucros numa futura profissão. Também se percebe, uma procura maior pelos cursos que têm, à bruto modo, “lucratividade maior”. Daí, é claro, ocorre uma saturação no mercado de trabalho, e, somando-se àqueles que, simplesmente, odeiam a profissão que escolheram, não é de se surpreender que, segundo a mesma pesquisa dos autores supra-citados, 53% das pessoas com ensino superior não atuem em sua área de formação, com exceção dos formando em Medicina.

Bem, no meu caso, quero conciliar ambos. Sei que provavelmente todos querem o mesmo, mas, pelo menos até agora eu tenho gostado do Direito, o que já é meio caminho andado. Ganhar dinheiro é parte do jogo também, mas não é o jogo; na verdade, é mais uma conseqüência da profissão que eu quero até. Não nasci numa manjedoura, nem quero morar com minha família debaixo da ponte ou num kitnet; porém a idéia de passar todas as minha férias no Caribe, bebendo cocktails na beira de uma piscina envolta por palmeiras também não está nos meus planos. Se eu conseguir fechar duas portas, a da riqueza e da pobreza, tá bom.

Agora, vem a questão: se eu não estou pensando só no dinheiro, porquê então começar falando dele? Ora, para poder me defender com antecedência das idéias pré-concebidas que as pessoas têm quando digo a profissão que pretendo seguir. Pois, sempre quando digo que quero ser juiz, todos vêm com um discurso similar: “Ah Rodrigo, excelente escolha garoto, já garante seu futuro desde cedo...”; todavia, ninguém indaga, nem quer realmente saber, as razões pela qual eu quero ser magistrado.

BONELLI (2005) defende que a mídia influencia na visão da sociedade quanto aos magistrados, mostrando-os como um grupo idealizado e coeso. Aprendi, após ingressar na faculdade, ou talvez até um pouco antes disso mesmo, que não existe grupo profissional com identidade única. E talvez, eu tenha sido influenciado de certo modo por ambos pontos de vista: o primeiro, essa visão idealizada do juiz foi um dos motivos que me fez querer cursar direito; o segundo, essa visão fragmentada, foi um dos motivos que me fez querer continuar estudando direito. Afinal, assim eu entendi que caso eu chegue aonde quero, não seria o único com um ponto de vista discordante da ordem vigente; que teriam outras pessoas no grupo para compor comigo uma minoria para lutar, pleitear, crescer, e talvez obter resultados. Não estou dizendo que eu queria mudar o mundo ou que eu seja um visionário. Mas ser juiz não é o ponto final aonde eu quero chegar. Ao contrário, é antes um primeiro passo. E qual é o ponto final? Sei lá, provavelmente o topo. Todavia, imagino que se eu for um bom juiz, se fizer tudo certo e jogar apenas o jogo pelas regras certas dessa minoria, nunca vão me permitir chegar ao topo.

Aí, tudo bem, vem o conformismo mesmo. Mudemos o que está ao nosso alcance, sob a nossa jurisdição. Talvez o que eu queira mesmo seja estudar todas as legislações para passar num concurso público, me dando um cargo que me permita tomar decisões totalmente arbitrárias, segundo o meu conceito de justo e de bem. Ou talvez eu julgue conforme a lei mesmo, mas trabalhe mesmo, lendo detalhadamente os processos, consultando os códigos, e ainda assim desencalhando processos e adiando audiências. Nisso meu grande exemplo é minha mãe, uma juíza estadual, recente no cargo (2005), porém, workaholic. Fico impressionado como ela consegue passar uma semana inteira fora de casa e ainda assim passa o final de semana julgando pilhas de processos atrasados que traz para cá, todos oriundos da vara que ela pega no rodízio mensal de localidade. Bem, eis aí o outro motivo, e talvez o mais forte que me levou a ser juiz.

Outros exemplos que eu tenho são o professor Fragale e até mesmo o senhor, professor Lobão. Nunca conheci o professor Fragale professor e nunca o ouvi falar (tive que faltar a palestra que ele deu nas comemorações dos 20 anos da Constituição). Entretanto, sei que ele é juiz e dá as mesmas aulas que o senhor. Ora, por incrível que pareça, as aulas de Sociologia Jurídica são uma das poucas nas quais eu presto atenção e gosto, pois são aulas que transmitem boas idéias. Logo, se ele é juiz, consegue fazer o trabalho dele, e transmite a mesma matéria que você transmite, com os ideais de pluralismo jurídico e todos os outros, deve ser uma excelente pessoa. Quem sabe não seja isso que quero ser? Juiz atuante na sociedade e professor universitário, estimulando a pesquisa jurídica como forma de propor novas teorias sociais?

Aí está uma boa resposta para a pergunta que o senhor propôs na sala de aula como pergunta para a segunda avaliação: “O que eu quero fazer da minha vida?”. Quero ser um juiz como minha mãe é e um professor como você. Quero fazer duas coisas e fazer as duas bem.

Acho que se tomei essa decisão, também em muito fui influenciado pela escolha da UFF como faculdade de Direito. Quando escolhi abandonar uma vaga na UERJ no primeiro semestre, todo mundo chiou, só faltou me bater. Uma das poucas pessoas que me apoiaram foi minha mãe (também formada pela UFF). E vou dizer, acho que foi uma decisão muito acertada. Pois, se não aprendi praticamente nada como operador de Direito neste último ano, foi porque a faculdade estimula algo muito mais importante nos alunos: A capacidade de pensar, de ter uma visão crítica do mundo. Aprendi que a lei não é una, e que não existe só uma lei. Conheci o pluralismo jurídico, aprendi que existem diversas realidades, diversos pontos de vista, e que a lei deve conhecer todos. Aprendi que não existe o jus-naturalista bonzinho e o positivista malvado. Conheci Kant, Bobbio, e outros caras que começam a moldar a minha cabeça e minha forma de ver o mundo. E, acima de tudo, aprendi que o Direito não é uma ciência exata.

Então, com base nessas teorias todas, tive uma idéia: “Vou fazer o que der pra fazer”. E aí, por exemplo, estou eu no CAEV, disposto a mudar a faculdade e seus alunos, para que esses possam mudar a sociedade depois de formados. Pode ser que não dê, mas se tiver possibilidade, tenho que tentar.

E, se virar mesmo juiz, fazer o mesmo. Apesar de não ter idéia se minhas decisões vão de algum modo mexer na sociedade, tornando-a um lugar mais justo, tenho que tentar, tenho que ser bom no que eu faço. E o mesmo como professor. Ainda que eu tema que nenhum aluno meu preste atenção em nada do que eu digo, ainda que a maioria saia da aula e transforme todos os ensinamentos sobre Direito ou Sociologia ou o que eu ensinar, em conversa de botequim, tenho que me focar e dar o meu melhor para dar uma boa aula, passar bons valores para que meus alunos compreendam a minha aula e consigam incorporar meus ensinamentos em suas vidas, ainda que só vão aplicá-los depois de se formarem; mas ainda assim guardar essa esperança, pois se pelo menos alguns poucos realmente fizerem o que aprenderam, já vai ter sido uma glória; assim como fui influenciado pelo senhor, professor, e por alguns poucos outros professores da casa.

Então, é isso aí. Creio ser isso que quero fazer da minha vida. Se vai dar certo, só o tempo vai dizer mesmo. Entretanto, não vou desistir tão facilmente do que escrevi aqui, e o que der pra fazer para conquistar esses objetivos, farei.






Bibliografia:
- NUNES, Édson e CARVALHO, Márcia Marques de (2007). “Ensino universitário, corporação e profissão: paradoxos e dilemas brasileiros”. Em: Revista Sociologias, Porto Alegre, ano 9, nº 17, janeiro/junho, p. 190-215.
- BONELLI, Maria da Glória (2005). “Ideologias do profissionalismo em disputa na magistratura paulista”. em: Revista Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 13, janeiro/junho, p. 110-135."
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E aí? Dá pra tirar 10?

2 comentários:

Ana Carolina e Dayane Produções de Eventos disse...

Se eu conseguir fechar duas portas, a da riqueza e da pobreza, tá bom.
Zinho seu trabalho esta maravilhoso... so nao gostei dessa porta fechada para a riqueza! ahuahuahauhu

Guilherme Alfradique Klausner disse...

Brother, muito maneiro o texto, apesar d'eu estar do outro lado HUAHUHUAHUA Eu sou o positivista malvado HUAHUAHUAHU Pelo menos lá na sala