sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Crua

Há sempre um lado que pesa, e um outro lado que flutua. E há as áreas cinzas entre as definições tantas, aonde eu sempre me encontro e pra onde sempre me volto. Às vezes fica difícil definir o que é afundar e o que é nadar e ganhar os céus, e o momento em que os parâmetros se alteram e o estado de graça alterna.
Eu carrego essa melancolia perpétua, arrependimento salgado nos lábios, e a minha pele é crua como cinza o meio-termo da medida. A minha cabeça pesa para se erguer no dia, a minha mente flutua para longe à noite.
Eu carrego essa letargia intrínseca de viver numa memória. E difícilmente se apaga uma lembrança lembrança lembrança lembrança, as que marcam a pele crua como marcas de tentáculos de caravelas venenosas do oceano, aonde há sempre um lado que pesa e um outro lado que não sustenta tão bem, o vício consumado. Por isso na primeira vez, dói, e na segunda vez ainda, e a terceira é alergia, e por isso não se esqueça, e não esqueça do outro, dói; como brasa na pele crua, o vício desfeito e negado, então, por favor, não se esqueça.
E tente acreditar num caso sério, na seriedade em si, embora eu sei, é difícil acreditar na melancolia e no peso que ela exerce, nas palavras vulgares. Difícil acreditar que quando eu te chamei, você fodia, fugia para debaixo dos lençóis. Naquela noite em que eu chamei você fodia, de noite e de dia, fugia, sumia com o vento e se transformava em sílabas. E eu não podia te tocar.
Há sempre um lado que pesa, e um outro lado que é ingênuo o suficiente pra tentar erguer o primeiro. A tua pele é crua. Ainda livre de máculas, ainda longe do mar perverso e revolto, mas não se preocupe: o tempo tem essa crueldade própria, incapacidade de perdoar. A tua pele é crua ainda, mas nada vai impedir que ela seja corrompida. Todas as máculas do mundo ainda vão te passar.
E por isso não se esqueça: dói. Dói o suficiente pra não se esquecer, e salgar a boca como se o próprio oceano lhe inundasse o espírito até que se remova.

Um comentário:

Srª Ribeiro disse...

A minha pele não é crua mais...belo post..gostei!

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'Glenda Barros