domingo, 19 de setembro de 2010

Viúvo

Nós nunca conseguiremos reaver as coisas que decidimos jogar fora.
Quando você foi embora, eu respirei seu nome, enquanto você ia embora, enquanto você foi embora. Eu respirei seu nome e eu sabia que eu ia sufocar de raiva ao fazê-lo, mas eu não sabia parar, e eu respirava o seu nome enquanto você ia, e não olhava para trás. Eu nunca percebi o quanto havia sido difícil.
Você era um rosto na multidão, mas a rotina te via ofuscando os rostos de todos os outros. E eu me lancei atrás do brilho. Eu tentei tirar o seu brilho. Tentei roubar você pra mim. Eu não sabia como fazer, o que fazer; eu não podia te dar o melhor.
Algumas coisas que eu disse nunca foram verdadeiras, e eu me sinto tão mal por você nunca ter sabido. Eu sinto que você deveria saber, mas eu não seria capaz de te dizer. E mesmo assim, você se agarra a um fantasma, o vulto da minha criação insana e irreal.
Enquanto você foi embora, eu respirei o seu nome, em tantas dimensões que eu não poderia mensurar. Nós nunca reaveremos o que jogamos fora. Quando você foi embora, eu respirei o seu nome, e nada no mundo foi capaz de me confortar, porque você havia morrido pra mim, e dessa forma o que eu investi em te amar e o que eu me tornei no nosso sentimento morreu contigo.
Eu não conseguia entender como eu era capaz de te assistir se digerir daquela forma, e eu nunca percebi o quanto era difícil. Agora eu vejo; será que eu quero?
Enquanto você foi embora, todos os males do mundo me passaram, me rasgaram, e foram embora, mais de uma vez, mais de poucas vezes, enquanto você ia embora.
Eu não poderia te ver se martirizar por uma causa que seria mais impossível a cada dia que passasse. Eu não poderia ver você se destruir da mesma forma que eu.
O meu maior erro foi acreditar que haviam duas estradas a se tomar, duas escolhas a se fazer, e uma decisão para sustentar. Meu erro foi não ter me aguerrido às coisas que te importavam, não ter visto as notas que embalariam o seu sono. Porém que culpa tenho eu em ser humano e não enxergar o seu porto seguro? Posso dizer que tentei, mas sei que não me é suficiente. O Inferno transborda de boas intenções, e a minha nem era tão boa assim.
Você era um rosto na multidão, eu era muito menos. Eu não era nem eu mesmo por inteiro naquela época em que eu tentei te levar embora e absorver tudo o que você era. Eu não era capaz de te dar nada demais. Eu tentei te dar o mais que eu tenho. E percebi que eu não era nada. É chegada a hora de você se esvair como um fantasma. Eu me sinto horrível por você nunca saber.
Eu sinto que você deve saber.
Quando você foi embora eu respirei o seu nome com tanto ódio que eu podia me consumir, enquanto você ia embora, e eu ainda sinto toda essa ira presa dentro de mim, e isso ainda pode me matar, isso ainda me mata dia após dia. Por Deus, eu te odiei quando você foi embora, te odiei o suficiente pra doer os meus dedos, pra queimar os meus lábios, eu nunca mais quis te ver. Eu queria te ver. Eu te queria o tempo inteiro, e eu me odiei tanto por isso que eu nunca superei. Eu nunca percebi o quanto havia sido difícil pra uma pessoa como eu superar. E nada mudou, porque eu ainda te odeio o suficiente pra te amar tanto quanto antes, e eu nunca vou esquecer.
Eu nunca vou esquecer que você me fez completo, que te odiar se tornou o sentido da minha vida, que eu nunca vou perdoar. Me perdoe, eu não sou capaz de ser anjo pra você de novo.
Eu nunca seria capaz de te ver tentando o impossível; eu nunca vou ser humano dessa forma. Eu nunca soube o quanto foi difícil. Agora eu vejo.
Eu fiquei possuído por pensamentos obsecados que me deformaram em algo muito pior do que eu já era. Antes eu não era nada; hoje eu sou algo ruim. O meu ódio por você me deformou em algo concreto. Por isso eu tenho a te agradecer.
Quando você foi embora eu respirei o seu nome, enquanto você ia embora, enquanto você foi embora.

3 comentários:

Lo Scienziato. disse...

Me lembrou isso aqui: http://www.youtube.com/watch?v=bc-DOisp5wo

Paula disse...

Gostei de tudo isso que li

Anônimo disse...

Hã?