quarta-feira, 25 de julho de 2007

O Preço da Identidade

Às três da manhã, o homem, ainda em seu paletó, fita o silêncio da cidade, que adormece tranqüila sob seu olhar. Era um silêncio que as jornadas de stress e solidão no trabalho haviam tomado dele. Era um silêncio que invejava.

Desatou a gravata, enquanto encarava o reflexo pálido no espelho. Deus, como havia envelhecido... Mal podia se lembrar da última vez em que reparara no resultado dos anos de noites mal-dormidas. Jogou o paletó em cima da cadeira, e estendeu a mão para o surrado pijama branco de marinheiros, mas lembrou-se, em seguida, de que o planejado para aquela noite dispensava qualquer vestimenta, e deixou a pele nua ser tocada pela brisa da noite, enquanto trancava os barcos de seu pijama no armário.

Deitou-se na cama, não numa tentativa de dormir, pois sabia que esse prazer lhe havia sido extirpado, mas para refletir. Voltar àqueles anos de faculdade, às noitadas com os amigos, aos sonhos, à família... Mas não sentia falta disso. Não exatamente. Escolhera largar tudo pela carreira à que aspirava. Todas as festas, amigos, prazeres e sentimentos... Ou assim gostava de pensar.

Por fim, abriu os olhos e procurou o relógio. Seis horas. Sabia que o sol arriscava seu primeiro brilho matinal do lado de fora de suas grossas cortinas e janelas escurecidas, mas não era esse brilho que procurava. Abriu a gaveta e viu a luz fraca do quarto refletir-se no tambor prateado de seu revólver. Olhou pela última vez para o retrato de anos atrás guardado ao lado da arma... Ele, ainda jovem, e uma linda moça... A mesma que jurara amor eterno a ele no dia em que decidiu pôr a carreira à frente de si próprio. Encarou cartas, de caligrafia adolescente, juras infinitas de amor, pela última vez, e fechou os olhos enquanto as lágrimas lhe vinham ao rosto. Ergueu a arma, salvadora e algoz, e encostou-a, fria, em sua têmpora pulsante...

Na vizinhança, ouviu-se um estampido fraco, ofuscado pelo som do trânsito e das pessoas recém-despertas.

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Tá aí o conto prometido.

- Ao som de: Placebo - Special K -

Um comentário:

Space Cowboy disse...

Um conto bem legal,porém bem trágico e triste.Parabéns