terça-feira, 14 de abril de 2009

Marleyson e Eu

"A pouco tempo, eu, jornalista recém-formado, casei com minha namorada da faculdade, Suzana e fomos morar em uma bela casa no Rio de Janeiro. No entanto, após pouco tempo percebemos que nossa casa estava muito vazia. Ainda não nos sentindo prontos para ter filhos, vimos que precisávamos saber se éramos maduros o suficiente para tê-los.
Como somos alérgico a animais, não poderíamos ter um gato ou um cachorro para criar. Por isso, após muito pensar, tive uma idéia genial: Adotaríamos um mendigo"


Dia 1:

"Saí pelas ruas à procura de um mendigo que quisesse ser adotado. Logo na primeira esquina, encontrei um mendigo imundo, fedendo a mijo e com farelos de biscoito Mirabel na boca. Perguntei qual era o seu nome, e ele disse que era Marleyson. Eu disse - "Bem, Marleyson, você não gostaria de ter uma vida digna?". Ao que ele respondeu que sim. Não fiz a proposta para adotá-lo, mas dei-lhe uma marmita e uma garrafa de chachaça. Saí dali com a minha caminhonete. Quinze minutos depois, vi que Marleyson estava dormindo. Supus que os 8 comprimidos de Dramin na marmita tivessem feito efeito, mas fiquei na dúvida se não teria sido a chachaça que o teria apagado. De qualquer forma, adotei-o colocando dentro de um saco de lixo, jogando na traseira de minha caminhonete e indo para casa."


Dia 2:

"Hoje Marleyson acordou agitado em sua casinha. Na verdade, a casinha foi um quarto improvisado que fizemos nos fundos da casa, onde o deixamos trancados para não fugir. Só o deixarei sair após adestrá-lo. Marleyson berrava para sair, implorava por cachaça. Dei a cachaça dentro de uma vasilha de ração e ele dormiu. Sucesso por hoje."



Dia 3:

"Marleyson acordou e novamente começou a protestar para sair, incomodando a vizinhança toda. Portanto, comecei hoje o processo de adestramento, batendo nele com um jornal enrolado até que ele se calasse. Ele mostrou um pouco de resistência no começo, tentou me morder, mas acabou cedendo. Irei diminuir a ração dele para diminuir a sua força física e enfraquecê-lo."



Dia 7:

"Hoje, Marleyson parou de implorar, berrar e arranhar a porta para sair. Ele já está bem mais fraco e calmo. Suzana foi brincar com ele, jogando uma bola para que ele fosse buscar, mas ele não quis colaborar, apenas chorou. Tive que novamente recorrer à tática do jornal para que ele fosse atrás da bola. Vai ser duro convencê-lo de que ele é um cachorro, mas já estamos obtendo alguns sucessos inegáveis. Ele já bebe a cachaça e come a marmita nas vasilhas de quatro e sem as mãos. Difícil mesmo será ensiná-lo a não mijar de pé."


Dia 38:

"Um acontecimento maravilhoso hoje: Marleyson parou de falar e passou a latir! Ainda não tenho certeza se foi um latido ou apenas um choro agudo de desespero, mas, de qualquer forma, é um grande feito!"


Dia 121:

"Finalmente, Marleyson se convenceu de que é um cachorro. Percebi isso quando, ao pôr cachaça, a garrafa escorregou e me molhou. Marleyson prontamente pulou em cima de mim, lambendo minha camisa e minha cara molhadas de 51. Meti a porrada nele com o jornal, mas finalmente ele entendeu o lugar dele e já posso deixá-lo sair da casinha."


Dia 130:

"Marleyson aceitou colocar a coleira. Passeamos na rua hoje. As crianças que o viam adoravam, montavam em cima e enfiavam o dedo no seu rabo. Foi uma festa."


Dia 190:

"Percebi que meu cachorro anda olhando para Suzana com cara de tarado. Conversei com minha esposa e ambos decidimos que o melhor a fazer era castrá-lo. Ela se ofereceu para fazer o serviço sujo."

Dia 206:

"Tomei uma multa por não recolher o cocô de Marleyson na rua. Eu não devia tê-lo desensinado a limpar a própria merda."

Dia 230:

"Suzana fez o anúncio: Está grávida! Finalmente, eu, ela e Marleyson seremos uma família tradicional!"

Dia 365:

"Hoje Marleyson fez aniversário de um ano! Eu e Suzana decidimos fazer uma piadinha interna, então fizemos uma cerimônia particular, botando bolo de fubá, convidando os mendigos para comer e muita cachaça pra beber. Água ia ser sacanagem também, né?"

Dia 454:

"Marleyson estava com a mania de roer meus sapatos e o sofá. Não sabia se era de fome ou de gastação com a minha cara. Então, peguei um martelo e arranquei os seus dentes."

Dia 505:

"Nasceu meu filho, com cara de mendigo. Matei Suzana com uma peixeira e joguei a criança viva no lixo. Peguei um jornal e enchi Marleyson de porrada como nunca. Acabei matando o animal. Joguei o corpo no mar. Amanhã, saio para procurar um novo mendigo para adotar."

Um comentário:

Lo Scienziato. disse...

Muito bonito, me fez refletir sobre a vida.